Lula é réu na Lava Jato, desta vez pelas mãos de Moro

O juiz Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato em primeira instância, aceitou nesta terça-feira 20 a denúncia feita pela força-tarefa contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o transformou em réu. Agora, Lula passará a responder formalmente diante de Moro pelas acusações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Essa é a primeira vez que Lula passa à condição de réu nas investigações conduzidas no Paraná. Pela 10ª Vara Federal de Brasília, o petista já responde a processo por obstrução da Justiça, acusado de participar da tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, um dos delatores do esquema de corrupção na estatal.
A acusação do Ministério Público Federal no Paraná é de que Lula recebeu vantagens indevidas da ordem de 3,7 milhões de reais da empreiteira OAS em troca de sua suposta participação no esquema de desvio de verbas existente na Petrobras em favor de agentes e partidos políticos. Essas vantagens seriam divididas entre a reforma de um tríplex no Guarujá (2,4 milhões), cuja posse os procuradores atribuem a Lula, e o pagamento de 1,3 milhão para a manutenção do acervo presidencial.
“Nessa fase processual, não cabe exame aprofundado das provas, algo só viável após a instrução e especialmente o exercício do direito de defesa. Basta, nessa fase, analisar se a denúncia tem justa causa, ou seja, se ampara­-se em substrato probatório razoável”, afirmou Moro em seu despacho.“É durante o trâmite da ação penal que o ex­-presidente poderá exercer livremente a sua defesa, assim como será durante ele que caberá à acusação produzir a prova acima de qualquer dúvida razoável de suas alegações caso pretenda a condenação”.
Ao discorrer sobre as evidências apontadas pelos procuradores da Lava Jato, Moro observa que a OAS assumiu o empreendimento do Edifício Solaris, no Guarujá, em outubro de 2009 e, na ocasião, concedeu aos cooperados da Bancoop, que originalmente era responsável pela obra, o prazo de 30 dias para optar pelo ressarcimento dos valores ou celebrar contrato de compra ou venda de alguma unidade do prédio. Já nessa época, Lula e sua esposa “deveriam ter definido a sua opção, como fizeram todos os outros”, diz o juiz.
“Além de não existir registro formal de que teriam efetuado na época essa opção, aponta o MPF que eles, que já haviam pago R$ 209.119,73 para aquisição de unidade no empreendimento, cessaram a realização dos pagamentos mensais em 15/09/2009, ou seja, por volta da mesma época em que a OAS assumiu o empreendimento”, prossegue Moro. “Apesar da descontinuidade dos pagamentos, também não há qualquer registro de que a OAS Empreendimentos tenha cobrado, de qualquer forma, o ex-Presidente e sua esposa pelo saldo devido.”
O titular da 13ª Vara Federal de Curitiba apresentou, ainda, trechos de uma troca de mensagens interceptada entre o presidente da OAS, Léo Pinheiro, e Paulo Gordilho, Diretor da OAS Empreendimentos. “O projeto da cozinha do chefe está pronto. Se (puder) marcar com a Madame pode ser a hora que quiser”, escreveu Gordilho. “Amanhã às 19 hs vou confirmar, seria bom também ver se o do Guarujá está pronto”, respondeu Pinheiro. “O do Guarujá está pronto”, devolveu Gordilho.
Ao apresentar o diálogo, Moro afirma que “é possível inferir que os destinatários das cozinhas, instaladas pela OAS na mesma época no apartamento 164­A e no Sítio em Atibaia, seriam o ex-­Presidente e a sua esposa”.
As contradições da denúncia
A denúncia apresentada pelos procuradores na semana passada gerou polêmica. Em um discurso com intenso conteúdo político, o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, afirmou a existência de uma “propinocracia” e disse que Lula é “comandante máximo do esquema de corrupção”.
A fala de Dallagnol, acompanhada da ausência de um ato claro de Lula em favor da OAS em troca dos supostos benefícios, gerou críticas ao procurador e à força-tarefa. Análises a respeito da peça acusatória reforçaram a impressão de se tratar de uma denúncia com intenções políticas.
No domingo 18, reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou que na denúncia consta uma informação que aparece apenas na delação premiada do empresário Léo Pinheiro, descartada pela Procuradoria-Geral da República. Pinheiro, que é sócio da OAS, disse que a empreiteira descontava os repasses que fez para o tríplex do Guarujá de uma espécie de conta bancária que a empresa mantinha com o PT, a funcionar para pagamento de propina de obras da Petrobras.
A força-tarefa negou. Na noite de segunda-feira 19, a força-tarefa da Lava Jato contestou a informação divulgada pela Folha. Em nota divulgada à imprensa, a força-tarefa argumenta que a reportagem chega a uma conclusão falsa e afirma que nunca usou qualquer informação das tratativas com Pinheiro.
Sergio Moro
Moro vai julgar Lula (Foto: Lula Marques / AGPT)
Na segunda-feira 19, o mesmo jornal também noticiou que a denúncia contra Lula contradiz declarações de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da estatal e um dos principais delatores da Lava Jato.
De acordo com os procuradores, Lula nomeou Costa em maio de 2004 para que ele atuasse na arrecadação de propina para o PP. As afirmações se chocam com o depoimento dado por Costa à CPI da Petrobras no dia 5 de maio de 2015, quando ele negou ter conversado com Lula sobre o esquema.
Na ocasião, questionado pela deputada Eliziane Gama (PPS-MA), Costa respondeu: “Não! Não! […] Eu nunca conversei nem com a presidente atual, nem com o presidente Lula sobre esse tema. Eu nunca conversei”.
Ciente da repercussão negativa da denúncia, Moro fez questão de enfatizar que a aceitação “não significa juízo conclusivo”. “Tais ressalvas são oportunas pois não olvida o julgador que, entre os acusados, encontra-se ex-Presidente da República, com o que a propositura da denúncia e o seu recebimento podem dar azo a celeumas de toda a espécie”.
O que diz a defesa de Lula
O ex-presidente nega ter cometido qualquer ato ilegal e declara-se vítima de uma perseguição política. Recentemente, encaminhou uma petição ao Comitê de Direitos Humanos da ONU contra Sergio Moro, na qual acusa o magistrado de violar direitos e antecipar juízo em seu desfavor.
Na quinta-feira 15, em pronunciamento feito em um hotel de São Paulo, Lula rebateu a denúncia da Lava Jato e afirmou que o País vive “momento em que a lógica não é o processo, mas a manchete”. Lula lembrou o passado humilde, a história política, reafirmou sua inocência e afirmou que a ação contra ele tem o objetivo “acabar”com a sua vida política.
Acompanhado de apoiadores, Lula se disse “indignado” com as acusações dos procuradores da Lava Jato e criticou a “pirotecnia” da entrevista coletiva do MPF na quarta-feira 14. Em diversos momentos, se emocionou. “Eu conquistei o direito de andar de cabeça erguida nesse país”, afirmou Lula. “Provem uma corrupção minha, que eu irei a pé para ser preso”, disse.
Em recente entrevista a CartaCapital, o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, afirma não haver nenhuma prova para amparar a tese de que o tríplex no Guarujá foi adquirido e reformado em benefício de Lula e sua família. “Já demonstramos, com farta documentação, que a dona Marisa Letícia [esposa de Lula] investiu valores, de 2005 a 2009, em uma cota da cooperativa habitacional Bancoop, e depois o empreendimento tocado pela cooperativa foi transferido à OAS”.
“Quando ocorreu essa transferência, os donos das cotas puderam optar entre pedir o resgate do valor investido ou usar o valor como parte do pagamento de uma unidade. A Dona Marisa optou por pedir o resgate do valor investido”, prossegue Martins. “Como se pode atribuir a propriedade do imóvel a ele, sendo que o ex-presidente esteve uma única vez no local? Ele olhou e não teve interesse. Nunca usou, nunca ocupou, nunca usufruiu… É uma propriedade absolutamente diferente do que a legislação prevê e até mesmo o senso comum imagina”.
O advogado de Lula criticou, ainda, o uso político da Lava Jato. “Inverteu-se a lógica da investigação. Já acharam o culpado, agora precisam provar a culpa dele. Promoveram uma devassa na vida de Lula e de seus familiares, e não conseguiram encontrar nada”.
Em entrevista coletiva convocada logo após as explanações dos procuradores da Lava Jato, os advogados de Lula repetiram que o imóvel “não pertence e nunca pertenceu” a Lula e seus familiares.
Outros réus
O juiz Sérgio Moro também incluiu em seu despacho as denúncias contra José Adelmário Pinheiro Filho, mais conhecido como Léo Pinheiro, à época presidente da OAS, e do então diretor operacional, Agenor Franklin Magalhães Medeiros, responsabilizando pessoalmente os dois réus.
Citando casos já julgados, Moro afirmou que ficou provado que empresas do grupo OAS teriam pago propinas no valor de 29 milhões de reais referentes a três contratos na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar) e na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima. “As propinas tiveram por destinatários agentes ligados à direitoria de abastecimento da estatal, entre eles, Paulo Roberto Costa”, ressaltando que os valores das propinas foram sucessivamente submetidos “a complexos mecanismos de ocultação e dissimulação”.
O juiz também explicou a individualização das responsabilidades dos demais citados no caso.
Os executivos da OAS, Léo Pinheiro e Agenor Franklin Magalhães Medeiros são apontados como os representantes da empreiteira responsáveis pelos acertos de propinas nos contratos da Petrobras. Léo Pinheiro, especificamente, também estaria envolvido na “concessão de vantagens específicas” ao ex-presidente Lula e sua esposa, Maria Letícia, no caso das reformas realizadas no tríplex do edifício Solaris.
Também estariam envolvidos na concessão de “benfeitorias e reformas, bem como na ocultação desses fatos” relacionados ao imóvel no Guarujá o então diretor financeiro da OAS Empreendimentos, Fábio Hori Yonamine, e Roberto Moreira Ferreira, à época diretor de incorporação da regional de São Paulo da OAS. Já Paulo Roberto Valente Gordilho, diretor técnico da OAS Empreendimentos, estaria igualmente implicado na concessão do benefício a Lula.
“Embora possam haver dúvidas consideráveis quanto ao dolo, por exemplo, se tinham conhecimento de que tais benefícios tinham por causa acertos de propina no esquema criminoso da Petrobrás, a sua participação específica nos fatos e a sua contribuição para a aparente ocultação do real proprietário do apartamento é suficiente por ora para justificar o recebimento da denúncia também contra eles e sem prejuízo de melhor reflexão no decorrer do processo”, justificou Moro no despacho.
Referindo-se a aceitação da denúncia contra a ex-primeira dama Marisa Letícia, o juiz admite que há “dúvidas relevantes” sobre se ela saberia que os supostos benefícios seriam oriundos de um esquema de corrupção na Petrobras. No entanto, “a sua participação específica nos fatos e a sua contribuição para a aparente ocultação do real proprietário do apartamento é suficiente por ora para justificar o recebimento da denúncia também contra ela e sem prejuízo de melhor reflexão no decorrer do processo”.
Por fim, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, seria responsável especificamente no caso do armazenamento, realizado pela Granero, de bens recebidos pelo ex-presidente, também classificado como vantagem indevida pelo magistrado.
Todos os acusados tem 10 dias para responder à Justiça.
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