Vacina de Oxford: voluntários contam por que tomaram as primeiras doses

Para que você possa receber uma vacina, há uma pesquisa científica minuciosa dividida em uma longa lista de etapas. Embora geralmente demore anos para que o processo chegue no estágio de testes de imunização em humanos, pela situação emergencial causada pela covid-19, já existem seis vacinas nesse ponto, chamado de “fase 3”.
Na pesquisa da vacina formulada pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca, com coordenação da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da Fundação Lemann, em São Paulo, o método de estudo usado é chamado de duplo cego randomizado, o que significa que os voluntários não sabem qual fórmula tomaram. Aqueles que não forem contemplados com o antígeno que tem o intuito de proteger contra o Sars-CoV-2, recebem a ACWY, uma vacina contra meningite que foi incorporada recentemente na rede pública.
Segundo Lily Yin Weckx, investigadora principal do estudo e coordenadora do CRIE/Unifesp —centro de vacinação da universidade—, “o mais importante é realizar essa etapa do estudo agora, quando a curva epidemiológica ainda é ascendente e os resultados poderão ser mais assertivos.”
No Brasil, 5.000 pessoas serão vacinadas nessa fase. Há pouco tempo, houve uma mudança no protocolo, que agora pede que os voluntários tomem uma segunda dose e inclui pessoas de até 69 anos. “Isso ocorreu pelos resultados publicados na revista científica Lancet em julho. Eles indicam que a segunda dose aumenta ainda mais a produção de anticorpos e que a imunização foi segura para essa faixa etária”, aponta Weckx.
De acordo com a pesquisadora, há outros grupos sendo estudados, crianças e pessoas com comorbidades, mas, por enquanto, estes testes não estão em curso no Brasil.
VivaBem conversou com profissionais da saúde que estão participando dos testes. Abaixo, eles contam por que decidiram se voluntariar.

“Ser a primeira voluntária foi uma emoção”

Denise Abranches - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Logo que ficou sabendo sobre o processo, a cirurgiã dentista Denise Abranches, 47, presidente da Câmara Técnica de Odontologia Hospitalar do CROSP (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo), fez sua pré-inscrição online.
“Como o estudo requer um profissional que tenha alta chance de contaminação, achei que seria uma boa oportunidade de ajudar as pessoas”, conta ela, que trabalha no Hospital São Paulo, reconhecido como hospital de ensino da Unifesp.
O que ela não esperava, ao ser chamada ao CRIE dias depois, era ser a primeira brasileira a receber a possível imunização. “Foi uma sensação de emoção. Quando me contaram, outros voluntários, que tomariam a vacina em seguida, já estavam presentes. Me senti honrada. É uma responsabilidade e um privilégio poder contribuir com um estudo dessa magnitude, que hoje é uma esperança para o mundo”, afirma.
Denise compõe uma equipe multidisciplinar, com médicos, fisioterapeutas e enfermeiros no atendimento de pacientes com covid-19. “Faço o protocolo de limpeza de patógenos para pacientes entubados. Meu papel é estabelecer saúde bucal para a prevenção de infecções que agravem ainda mais o estado de pacientes que geralmente já estão bem comprometidos”, explica.
A profissional recebeu a vacina no dia 23 de junho e não relatou, até o momento, nenhum efeito adverso. “Tem um diário eletrônico para marcar sintomas, reações… Não relatei nada. Continuo trabalhando com a mesma disposição”, diz.

Vacina de Oxford - coordenação da Unifesp - Divulgação Unifesp - Divulgação Unifesp
Imagem: Divulgação Unifesp

“No retorno, não sabemos os resultados dos exames”

Alberto Freitas - voluntário vacina de oxford - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Após receber a notícia de que tinha sido escolhido para a pesquisa, o ginecologista carioca Alberto Feitas, 36, ouviu comentários preocupados do pai. “Ele perguntou se eu tinha certeza que queria fazer aquilo. A sensação para pessoas de fora é que eu seria um ratinho de laboratório. Expliquei para ele que a pesquisa já está na fase 3 e que já testaram em humanos antes, apesar de serem grupos menores. É sempre um risco, mas é controlado, e frente à pandemia, considero justo participar”, conta.
Alberto atende em consultório privado, em um ambulatório de ginecologia e em um centro clínico de plano de saúde. “Apesar de não estar na linha de frente de combate a covid-19, já atendi gestantes com suspeita e com confirmação de infecção pelo vírus. Nunca pensei que um dia fosse usar tanta paramentação para exames do pré-natal”, conta.
Ele tomou a vacina —que não sabe qual é— no dia 6 de julho, e já voltou para a primeira avaliação. “Não tive nenhum sintoma, mas os pesquisadores anotam toda a conversa sobre sua rotina muito detalhadamente. Eles colhem os exames de novo e você não tem mais acesso a nenhum resultado, para não influenciar no protocolo”, diz.

“O processo é minucioso e transparente”

Wagner - cardiologista pediátrico - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O cardiologista pediátrico Wagner Knoblauch, 33, que atua em três grandes hospitais de São Paulo, conta que ficou sabendo da possibilidade de se voluntariar por meio de colegas. “Achei interessante poder contribuir de alguma forma, já que sabia que provavelmente ainda não tinha sido infectado pelo vírus.”
De acordo com o médico, a avaliação feita pelos pesquisadores é minuciosa. “Eles explicam detalhadamente o projeto, que existem riscos de reações alérgicas, quais são as contraindicações. Também nos contaram que o processo está mais avançado em Londres e não foi identificada nenhuma reação preocupante, mas ao assinar o termo estamos cientes de todos as possibilidades”, conta Knoblauch, que mora sozinho.
Na mesma semana que passou pela entrevista e realizou exames, o jovem médico recebeu a notícia de que estava apto e foi vacinado. Assim como a dentista Denise, ele não teve reações adversas até o momento.
“Eles explicam reações comuns, que são dor local, mal-estar, cefaleia e indisposição, fornecem paracetamol e orientam a tomar nas primeiras 24 horas. Logo depois, ficamos em observação por cerca de 30 minutos para ver se não vai ter uma reação de alergia mais grave. Com sinais vitais, temperatura e pressão em níveis normais, somos liberados com retorno agendado para após um mês”, relata.

CRIE - centro de vacinação Unifesp - Divulgação Unifesp - Divulgação Unifesp
Imagem: Divulgação Unifesp

“Saudade da família me levou a ser voluntária”

Mariana Scolari - médica voluntária nos testes da vacina de oxford - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Mariana Scolari, 31, é médica residente de radiologia no Hospital IGESP (SP) e começou a atender pacientes com covid-19 logo no começo da pandemia.
“Quando surgiu a possibilidade de fazer parte do estudo da vacina, já fazia muito tempo que não via meus pais. Foi essa esperança de uma imunização eficaz que me levou a ser voluntária”, conta.
Vigilância estudo da Unifesp - Arquivo pessoal/Mariana Scolari - Arquivo pessoal/Mariana Scolari
Conversa de Whatsapp com funcionários envolvidos na pesquisa coordenada pela Unifesp Imagem: Arquivo pessoal/Mariana Scolari

Até agora, passado quase um mês, Mariana também não sentiu qualquer efeito adverso e irá ao centro para coletar novos exames em breve.
“Eles também nos monitoram constantemente, o que achei bem legal. Por ser um estudo que já sabemos que é confiável, estou confiante”, diz.

Como os pesquisadores sabem se tiveram sucesso?

Pelas primeiras fases do estudo já demonstrarem bom perfil de segurança da vacina, a principal avaliação em curso no Brasil é a da eficácia.
“A avaliação será feita por incidência: veremos se o grupo que recebeu a imunização contra a covid-19 terá menos casos do que o grupo que recebeu a vacina contra meningite. Além disso, também faremos testes que mostram a produção de anticorpos”, explica Lily Yin Weckx.

Segundo a pesquisadora, não é possível confiar somente no número de anticorpos por não saberem qual grau de proteção será conseguido. “Ainda não há conclusão da comunidade científica sobre a partir de qual quantidade de anticorpos uma pessoa está segura contra o vírus”, indica.

Critérios de escolha dos voluntários e protocolos seguidos

Para a atual fase da pesquisa, são recrutados:

  • Adultos saudáveis, de 18 a 69 anos, e que atuem como profissional de saúde na linha de frente de combate à covid-19, como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e auxiliares de enfermagem.
  • Também podem participar profissionais que atuam em áreas de grande risco de exposição ao vírus, como segurança de hospital e agentes de limpeza hospitalar.
  • Todos devem testar negativo ao vírus, ou seja, não podem ter tido contato com coronavírus.
  • Antes de serem aceitos, os candidatos passam por entrevista, respondem um questionário de saúde, coletam sangue e fazem sorologia.
  • Após aplicação da vacina, o voluntário assina um termo em que se compromete a avisar toda e qualquer intercorrência na saúde, em uma espécie de boletim diário.
  • Periodicamente o participante deve se dirigir ao centro do estudo para fazer exames de modo que os pesquisadores monitorem não só a saúde como a segurança e a eficácia da vacina.

 

 
Por Giulia Granchi
https://www.uol.com.br/vivabem

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