Manaus vive segunda onda do coronavírus, afirma pesquisador da Fiocruz
“Cientista critica reabertura das atividades e afirma que a FVS do Amazonas coloca “panos quentes” na divulgação das mortes por coronavírus”
O epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz na Amazônia diz que não adianta colocar “panos quentes” para esconder dados. Ele afirmou ao BNC Amazonas que Manaus já está na segunda onda de mortalidade do coronavírus (covid-19).
“O caldeirão da morte por covid-19 em Manaus aumentou de tal forma que não há mais como você colocar ‘panos quentes’ para tentar esconder isso. Claro que não vai ser um padrão de mortalidade semelhante ao que ocorreu em abril e maio”.
Segundo ele, desde o dia 1º de junho, quando o governo estadual iniciou o ciclo gradual de abertura da economia, foram registradas 700 mortes.
“Você sabe quantas mortes foram tornadas públicas pela FVS (Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas) nesse mesmo período? Menos de 110%”, afirmou.
Orellana acusou a FVS de tentar, de “forma vil”, deturpar as estatísticas da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que faz análise com base nos óbitos por ocorrência. Contudo, o órgão do Amazonas divulga que são dados de notificação de mortes por síndrome respiratória grave.
“Então, eles ficam fazendo esse joguinho para tentar ludibriar, para tentar confundir a opinião pública. E, temos que admitir, eles obtiveram bastante sucesso com essa estratégia”, disse.
FVS x estatística nacional
Com base nessa argumentação, Orellana diz que é falsa a justificativa da FVS ao aumento do número de mortes divulgado pelo consórcio de imprensa.
De acordo com a FVS, são ajustes em junho, feitos pela Prefeitura de Manaus, das notificações por mortes de síndrome respiratórias ocorridas em abril e maio.
Essa segunda onda, portanto, foi prevista por equipe de pesquisadores. Há meses, eles apresentaram ao MP-AM (Ministério Público do Amazonas) estudo que apontava o início da segunda onda de mortalidade na capital. E isso ocorreria caso não fosse adotado “lockdown” de, no mínimo, duas semanas.
“O primeiro e mais contundente alerta foi dos pesquisadores que projetaram um aumento no número de mortes na segunda onda já a partir de agosto. Isso foi completamente ignorado, e não poderia ser diferente”, afirmou.
Conforme o pesquisador, o momento ideal para o “lockdown” em Manaus deveria ser antes de maio, portanto, em abril. Essa medida significa o bloqueio total das atividades não essenciais e o isolamento geral da população.
Exemplo internacional
Como resultado, Orellana disse que Manaus está servindo de exemplo para a Inglaterra. Cientistas ingleses usam o caso da abertura das escolas na capital para defender o fechamento dos seus estabelecimentos.
“A abertura das escolas coincide com o quarto e último ciclo de reabertura da economia do estado do Amazonas e, em particular, de Manaus”, afirmou.
Dessa maneira, o cientista da Fiocruz vê o aumento da mortalidade acontecer justamente de quatro a seis semanas depois do quarto ciclo de reabertura. E, particularmente, com o retorno às aulas da rede privada.
“Foram mais de 140 mil pessoas que voltaram em plena atividade entre alunos e serviços essenciais e não essenciais”.
Por exemplo, ele cita diversas atividades que foram reabertas com o funcionamento das escolas, como lanchonetes, papelarias e outras.
“Você tem esse momento bastante triste. Esse capitulo triste da história da saúde: a abertura precipitada e equivocada foi um dos vetores do recrudescimento, se não o principal para aumento da mortalidade por covid-19 em Manaus”.
Falsa sensação
A superlotação de praias e balneários no Amazonas e no país durante o feriado do dia 7, o Dia da Independência, foi avaliada pelo epidemiologista como preocupante.
“Nós temos uma sensação de que a epidemia está controlada e talvez boa parte dos brasileiros possa imaginar que o coronavírus estava de férias ou de folga por ser um feriado brasileiro”, ironizou.
Conforme o pesquisador, o presidente da República, Jair Bolsonaro, contribui para esse clima. E faz isso quando fala sobre a não obrigatoriedade da vacina e promove exposição em público, promovendo aglomeração.
Além de Bolsonaro, desempenham o mesmo papel personalidades do mundo empresarial e esportivo. “Diariamente contribuem para essa falsa situação de controle da epidemia no Brasil”.
“E o resultado é isso que nós estamos vendo: alto quantitativo de pessoas infectadas, doentes e sobretudo mortas. Hoje, aproximadamente 130 mil mortes confirmadas e pelo menos 50 mil a 60 mil por síndrome respiratória grave que podem estar associadas à covid-19”, afirmou.
Em resumo, Orellana disse que ainda não é o momento de flexibilizar as medidas protetivas. Sobretudo, diz ele, devido ao perigo dessa segunda onda de mortalidade que Manaus já vive.
Iram Alfaia
Foto: Chico Batata/especial para BNC Amazonas