“Viver na Argentina da inflação sem controle é sufocante”, diz jornalista

Para viver na Argentina hoje é preciso paciência, alguns conhecimentos básicos de economia e muita capacidade para tolerar altos níveis de estresse. A conclusão é da jornalista Janaína Figueiredo, que mora na capital argentina. Segundo ela, coisas que deveriam ser simples, como comprar uma cortina, um carro, ou apenas ir a um supermercado podem se tornar um pesadelo.

A jornalista explica que, para quem já morou na Venezuela, as comparações são permanentes, assim como depoimentos de venezuelanos que chegaram a Buenos Aires em busca de uma vida mais tranquila e estão partindo porque a vida em Buenos Aires é tudo, menos tranquila. Ela aponta um crescimento da pobreza e da fome, os preços descontrolados e a fuga das novas gerações, que vão embora em busca de um futuro melhor.

“Se o resto do mundo acha complicado viver com taxas de inflação em torno de 10% (em 12 meses), sugiro passar um mês na Argentina, onde a taxa atingiu 71% em julho. Visitei diversas vezes a Venezuela, entre 2002 e 2019, e sempre estive entre as pessoas que consideravam exageradas as comparações entre os dois países”, conta Janaína.

Segundo ela, a escalada de preços na Argentina é assustadora, assim como a desvalorização do peso. “Há três anos e meio, eram necessários dez pesos para comprar um real. Hoje são 53 pesos, o que explica a invasão de turistas brasileiros. A Argentina não é uma nova Venezuela, ainda”.

A previsão para o ano é de inflação superior a 90%, podendo chegar aos três dígitos. “É impossível saber quanto gastaremos mês a mês, porque na Argentina de hoje nada tem preço — e a especulação é um esporte nacional”.

A resposta dos fornecedores costuma ser sempre a mesma: “isso é valor dólar”. Ou seja, tudo aumenta, porque o dólar aumenta. Literalmente tudo: automóveis, roupas, alimentos, combustíveis, academias de ginástica, escolas, café, vinho.

Como os argentinos perderam a confiança em sua moeda, os preços variam porque a sensação é que o dólar vai disparar a qualquer momento.

“Isso faz com que orçamentos não durem mais do que uma semana, ou 15 dias, no melhor dos casos; que os supermercados reajustem seus preços todas as semanas; que escolas e planos de saúde aumentem, em geral, a cada dois meses. Os salários, claro, nunca aumentam no ritmo da inflação. Como se diz por aqui, os salários sobem de escada, e os preços, de elevador”, relata Janaína.

Automóveis

Ela conta ainda que o “valor dólar” fez o preço de um carro produzido no Brasil que pretendia comprar aumentar em US$ 8 mil de uma sexta para uma segunda-feira. Comprar um veículo na Argentina se tornou missão impossível. Muitas concessionárias não têm carros disponíveis, prometem para seis ou oito meses e não cumprem o prazo. Com isso, um usado em bom estado pode custar bem mais que um novo.

Ao alugar um apartamento, arme-se de paciência, aconselha. Como a nova legislação exige contratos de três anos com apenas um reajuste anual, muitos proprietários optam pelo aluguel temporário para turistas ou apenas deixam o imóvel fechado.

Num país onde não há financiamento imobiliário, quem precisa alugar tem dificuldade de encontrar apartamento. Quando consegue, o valor é altíssimo e o proprietário impõe reajustes semestrais, violando a lei — que já está sendo revisada.

Para driblar as altas de preços, o lógico é comprar no atacado e fazer estoque. Mas com as últimas desvalorizações do peso, as redes de atacarejo começaram a limitar a quantidade que cada cliente pode comprar, sobretudo alimentos. Em algumas, só se pode levar três litros de leite, por exemplo.

Tipos de dólar

Há grupos de WhatsApp para compra e venda de dólares. O dólar rege a economia argentina, ou melhor, os diversos tipos de dólar no país. O mais importante é o dólar blue, ou paralelo. O dólar oficial, estabelecido pelo Banco Central, é usado para calcular a dívida pública, pagamentos de empresas e venda para o público em geral, no limite de US$ 200 mensais.

O dólar contado com liquidação é para compra de ações no exterior. O dólar turista estrangeiro foi criado para evitar que quem vem de fora opere no mercado paralelo. Há muitos outros — todos com cotação superior à do dólar oficial.

É difícil imaginar que saída o governo argentino encontrará desta vez, diz Janaína. Na década de 90 foi atrelar a moeda ao dólar, hoje já se fala em dolarização. Por enquanto, conclui a jornalista, “o jeito é viver nessa montanha-russa e fazer muita terapia, serviço pelo qual o país é conhecido mundialmente — e que aumenta no ritmo do resto da economia”.

Por Redação

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