Vereadores do RJ aprovam lei que anistia R$ 450 milhões de dívidas de cartórios

Em outro projeto, multas de vans também foram perdoadas

RIO — Um dia após a Câmara livrar o prefeito Marcelo Crivella do processo de impeachment , os vereadores passaram o dia em sessões extraordinárias para aprovar projetos de lei que concedem anistia de dívidas de ISS de cartórios e de multas aplicadas a motoristas de vans. O projeto relativo aos cartórios, que foi aprovado às 23h, após mais de nove horas de discussões, teve 28 votos favoráveis, 12 contrários e uma abstenção. O perdão chega a R$ 450 milhões de um total de R$ 600 milhões. O município, que briga há dez anos na Justiça para receber o tributo, alega que o acordo ajudaria a melhorar o caixa. Mas, mesmo abrindo mão da cobrança de parte da dívida, nada garante que os cartórios vão pagar.
No plenário, vereadores da base e da oposição dizem que o projeto vai assegurar recursos para beneficiar aqueles que livraram Crivella do impeachment. Isso porque 75% dos R$ 150 milhões que a prefeitura espera receber dos cartórios irão para a Secretaria de Conservação, que daria prioridade a obras em praças e ao asfaltamento de ruas nas áreas onde esses políticos têm base eleitoral. Esse investimento está previsto numa emenda ao projeto, que também foi aprovada. Procurado, Crivella negou ter feito qualquer acordo.
Na votação, um detalhe chamou a atenção: a postura do vereador e ex-secretário da Casa Civil, Paulo Messina, que em sua passagem pelo governo chegou a ser chamado de primeiro ministro pelo acúmulo de poderes. Messina deu mais sinais de distanciamento de Crivella. Ele votou contra a emenda que vincula recursos para a secretaria de Conservação e optou por se abster em dar seu voto na redação final do projeto
Em discurso no plenário, ele também voltou a afirmar que prevê dificuldades em caixa para a prefeitura nos próximos meses. O vereador já fizera o mesmo na noite de segunda-feira, véspera da votação do impeachment, em vídeo que postou nas redes sociais, o que forçou o secretário de Fazenda Cesar Barbieiro a gravar um vídeo negando as informações
– Todas as projeções que eu faço apontam que a prefeitura não terá dinheiro para pagar serviços básicos e os salários até o final do ano. Eu não quero ver lá na frente quando isso acontecer lá para setembro e outubro e dizer apontando para a Câmara: faltou salário porque a Câmara não me deu. Eu não quero ser responsabilizado. Também não quero que a Câmara seja responsabilizada porque o direito que entrou foi para a conservação e não para o caixa da prefeitura se faltar dinheiro no caixa  – disse Messina.

Dúvidas sobre legalidade

O advogado especializado em direito tributário, David Nigri, tem dúvidas da legalidade de alguns dispositivos no projeto de lei em debate no legislativo carioca. Nigri observou ainda que não há garantias que todos os cartórios não vão preferir esperar uma decisão final da Justiça, que pode levar anos já que existe possibilidade de recursos mesmo se a prefeitura ganhar a ação:
—  A legislação permite a concessão de redução de valores cobrados de multas e moras de tributos. Mas o texto prevê o perdão de parte do principal da dívida (R$ 136,4 milhões). Meu entendimento é que lei municipal não pode prever perdão de dívidas. Isso pode inclusive ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) — disse Nigri.
A oposição também questionou o fato da emenda vincular recursos para uma pasta. A constituição proíbe com raras exceções (saúde, educação e treinamentos para a área fiscal) a vinculação de impostos com despesa.
Fernando William (PDT) disse que a anistia da maior parcela da dívida dos cartórios é ilegal.
— Fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe renúncia de impostos sem receita equivalente para cobrir o rombo. Não posso acreditar que isso será aprovado pela Casa Legislativa! — afirmou Fernando.
Para defender a emenda que destina parte dos recursos (75%) do projeto de anistia aos cartórios para a conservação, o agora governista Junior da Lucinha, um dos autores do projeto, se justificou dizendo que a propôs porque a zeladoria está precária e que “pra andar pela cidade precisa ser o Indiana Jones”, por conta de tantos buracos.
Um dos pontos do projeto prevê que caso fechassem o acordo os cartórios teriam que se comprometer a pagar R$ 78 milhões do ISS lançado entre setembro outubro de 2013 e dezembro de 2015, antes da lei estadual entrar em vigor. Além disso, pela proposta da prefeitura, os cartórios só teriam que pagar R$ 153,5 milhões se optassem por liquidar a pendência à vista. Outra opção seria parcelar a dívida em até 24 vezes com perdão de 80% das multas e juros cobrados a partir de outubro de 2013. Mas neste caso o valor que a prefeitura cobraria aumentaria para cerca de R$ 165 milhões.

Vans também foram anistiadas

A Câmara dos Vereadores também aprovou, por 42 votos a favor e nenhum contrário, o projeto que anistia multas de trânsito de vans que não cumprem o trajeto estabelecido. A proposta prevê que só serão multados os motoristas que forem flagrados saindo da sua região de atuação, não somente do itinerário fixo, como é a regra atual.
A categoria quer o perdão porque os itinerários estão sendo reavaliados. O vice-presidente da Comissão de Transportes da Câmara, Felipe Michel (PSDB), que defende o projeto, estima que as dívidas perdoadas cheguem a R$ 3 milhões. A Secretaria municipal de Transportes não confirmou o montante assim como quantos motoristas estão inadimplentes. Desde 2017, foram aplicadas 7.458 multas. O valor de cada uma é de R$ 1.712,87, que pode dobrar em caso de reincidência
Os motoristas fizeram carreatas em direção à sede da Secretaria Municipal de Transportes (SMTR), em Botafogo, na Zona Sul do Rio. Eles reivindicam o cumprimento de promessas feitas pelo prefeito Marcelo Crivella na campanha eleitoral de 2016 de criar um sistema justo e melhor para a população e para os trabalhadores do Sistema de Transporte Público Urbano Local (STPL) e o Sistema de Transporte Especial Complementar de Passageiros (TEC).
 
 
fonte: O Globo

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