Venezuela conta atualmente com 245 presos políticos

Recentemente, empreendi uma experiência de realidade virtual com ativistas venezuelanos que recriaram uma cela do Helicoide, notório centro de detenção em Caracas operado pelos serviços de inteligência. Você entra numa cela minúscula e escura, ouve o zumbido de moscas e escuta narrações de abusos que as pessoas sofreram por lá em sua própria voz. Isso serviu como um duro lembrete dos muitos relatos que coletei ao longo dos anos de vítimas das arbitrárias prisões e torturas praticadas por agentes de segurança venezuelanos.

Infelizmente, essas experiências estão longe de ser virtuais – e não duvide, elas continuam a ocorrer. Vários políticos da América Latina, especialmente alguns na esquerda ideológica, afirmaram recentemente que a situação de direitos humanos na Venezuela está melhorando. Mas, na realidade, a repressão do governo de Nicolás Maduro contra a dissidência continua, sem justiça para as vítimas.

Agora não é hora para a comunidade internacional reduzir o escrutínio sobre Maduro. De fato, vários eventos vindouros, incluindo uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, tornam a pressão externa tão importante quanto sempre foi.

A ONG venezuelana Foro Penal conta atualmente 245 presos políticos, muitos em centros de detenção como o Helicoide. Os detentos têm experimentado torturas horrendas, incluindo choques elétricos, simulações de afogamento e violência sexual.

Em relatório recente, a alta comissária para direitos humanos da ONU, Michelle Bachelet, descreveu homicídios praticados por forças policiais durante operações de segurança. Na Human Rights Watch, descobrimos que os próprios dados do governo revelam que as forças de segurança mataram pelo menos 19 mil pessoas entre 2016 e 2019.

Muitas mortes foram registradas como resultado de “resistência à autoridade”, mas descobrimos que muitas foram assassinatos extrajudiciais. A equipe de Bachelet, que mantém presença na Venezuela, perdeu acesso recentemente ao Helicoide.

Enquanto isso, autoridades venezuelanas continuam a assediar e perseguir jornalistas independentes, defensores de direitos humanos e organizações da sociedade civil que trabalham sobre as emergências humanitárias e de direitos humanos no país. Em outro exemplo, depois de Javier Tarazona, um defensor de direitos humanos da ONG Fundaredes, expor vínculos das forças de segurança venezuelanas com grupos armados, as autoridades o detiveram arbitrariamente em julho de 2021. Ele continua na prisão.

As autoridades venezuelanas falham repetidamente em proteger populações indígenas de violência, trabalho forçado e exploração sexual no contexto de operações de mineração clandestinas em grande escala. A Human Rights Watch documentou abusos horripilantes cometidos por grupos que controlam minas de ouro clandestinas no sul da Venezuela.

Nas selvas do Orinoco e do Amazonas, a mineração ilegal ocasionou desmatamento e poluiu águas. Vários indígenas foram mortos nos meses recentes, relatam organizações de direitos humanos e Virgilio Trujillo, líder indígena que se opunha à mineração ilegal.

A impunidade é a norma, apesar das evidências contundentes de abusos generalizados. Mudanças recentes no Judiciário venezuelano podem enfraquecê-lo ainda mais. O processo de seleção de novos ministros da Suprema Corte – que desempenha papel crucial na nomeação e remoção de juízes de instâncias inferiores – não foi independente, e ministros que não agiram em supervisão aos poderes do Executivo foram reeleitos.

Escrutínio

Dada a falta de independência do Judiciário, a prestação de contas continua tão importante quanto sempre foi. Um importante desdobramento foi a decisão do promotor de Justiça do Tribunal Penal Internacional (TPI) Karim Khan, em novembro, de abrir investigação sobre supostos crimes contra a humanidade cometidos na Venezuela.

Pela primeira vez, as vítimas puderam ver abusadores serem responsabilizados por seus crimes. Para a surpresa de ninguém, autoridades venezuelanas pediram para Khan adiar a investigação, afirmando que elas próprias tinham “vontade genuína” de investigar abusos. O promotor pretende rejeitar esse pedido e seguir investigando.

(Tamara Taraciuk Broner, vice-presidente para as Américas da ONG Human Rights Watch)

 

Por Redação

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