Rússia é o maior fornecedor de armas para a África e um parceiro importante para regimes autoritários que buscam se manter no poder

Quando a invasão da Ucrânia completou um ano, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, se vangloriou: “Os planos do Ocidente para isolar a Rússia cercando-nos com um cordão sanitário foram um fiasco. Estamos fortalecendo boas relações de vizinhança (…) com a maioria internacional”. Com efeito, apesar das sanções, o desempenho da economia russa tem surpreendido. No entanto, as “relações de vizinhança” russas são hoje bem menores e mais ambivalentes. A recente cúpula organizada pelo Kremlin em São Petersburgo com países africanos ilustra esse estado de coisas.

As estratégias de Vladimir Putin para seduzir o “Sul Global” são variadas. Na América Latina e Oriente Médio sua propaganda insufla ressentimentos antiamericanos. Na África, em particular, Putin tenta comprar apoio com recursos naturais e armas. Mas os resultados têm sido limitados. Dos 54 países africanos, 19 apoiaram a Ucrânia nas deliberações sobre a guerra na Assembleia-Geral da ONU e só 2 apoiaram a Rússia; os demais se abstiveram.

Há mais de uma década a Rússia é o maior fornecedor de armas para a África e é um parceiro importante para regimes autoritários que buscam se manter no poder, alguns com o apoio dos mercenários russos do Grupo Wagner. Favores estabelecidos com elites locais à época da União Soviética também contam para a simpatia de alguns países. A propaganda antiocidental é particularmente efetiva em ex-colônias francesas. De resto, Moscou vem canalizando grãos para Estados amistosos. Economicamente, no entanto, a Rússia é pequena na África em comparação com os EUA ou a Europa.

A cúpula deveria mostrar força diplomática, mas, como outras iniciativas de Putin, ela expôs suas fraquezas. Na cúpula precedente, em 2019, participaram 43 chefes de Estado africanos. Agora, foram só 21. Parte dessa baixa reflete a retirada da Rússia da iniciativa acordada com a Ucrânia para liberar a exportação de grãos no Mar Negro, o que agravará a fome e a inflação na África.

Em reunião com jornalistas africanos, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, comparou a guerra às lutas anticoloniais na África e advertiu que as exportações de grãos replicam a estratégia de usar petróleo e gás na Europa para criar dependência política.

Essa situação ambivalente sugere que o Ocidente também precisa diversificar suas estratégias para robustecer o “cordão sanitário” desprezado por Lavrov. Sanções voltadas a reprimir o comércio de bens não militares com os países em desenvolvimento impactam suas populações e tendem a excitar antipatias. No caso da África, em especial, seria importante auxiliar as forças regionais de segurança para dissuadi-las de apelar à Rússia. De resto, é preciso desmascarar a propaganda russa, em termos similares ao de Zelenski.

Em relações exteriores não há amizades, só interesses. Quando se trata da Rússia, esses interesses tendem a ser manietados para criar relações de vassalagem. A resposta ambígua dos africanos ao convite de Putin mostra que eles estão cada vez mais alertas para esse risco.

Por Redação

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