RJ: Hospital municipal Pedro II em crise leva à suspensão de cirurgias
Funcionários não receberam salário nem vale-transporte e faltam até roupas e lençóis esterilizados para operar pacientes
RIO – Sem receber salário nem passagens, funcionários do Hospital municipal Pedro II, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, se desdobravam para driblar a sobrecarga de trabalho e conseguir atender pacientes que não paravam de chegar à porta da emergência nesta terça-feira. No centro cirúrgico, no entanto, o movimento era quase nenhum. Por falta de roupas esterilizadas, as cirurgias estão paralisadas. O problema vem se arrastando desde sexta-feira passada e, no plantão noturno desta segunda-feira, apenas uma operação de emergência foi realizada. Nesta terça-feira, mais uma vez, o centro cirúrgico não funcionou e o problema já atinge até pacientes da emergência.
— Meu irmão é pedreiro e caiu de uma altura de três metros. Fraturou o braço. Vim de Itaguaí para cá com ele, depois de passar por outros dois hospitais. No São Francisco, em Itaguaí, tinham pinos para operá-lo. Em Mangaratiba, o ortopedista disse que não tinha chapa. O acidente foi por volta das 13h e estou chegando ao Pedro II às 16h. Espero que ele consiga ser operado aqui — disse Rosildo Crisóstomo, de 40, que também trabalha em construção civil.
Célia Regina Eimrt tentava visitar o irmão, internado na sala vermelha Foto: Flávia Junqueira
Com a superlotação da sala vermelha, familiares de pacientes reclamam que não conseguem ser liberados para entrar para a visita e falar com um médico.
— Ficamos aqui fora, sem notícias. Não tem hora para a visita. Se chega alguém baleado ou enfartado, o médico manda todo mundo sair e só libera a entrada dos familiares quando ele acha que tem que liberar. Isso porque a sala de trauma é junto com o CTI. Há dias em que fico aqui até mais de 21h e não liberam para a visita — contou Paulo César, que aguardava para ver a mãe, internada com um coágulo no cérebro. — Ela precisa fazer um exame de arteriografia, que só existe em dois hospitais públicos do Rio, mas não transferem minha mãe. Tenho uma liminar determinando que isso fosse feito até as 17h30 desta terça-feira. Vou esperar porque preciso de outro laudo médico para voltar ao Plantão Judiciário e comunicar que a liminar não foi cumprida.
A dificuldade para visitar e obter informações é tão grande que a família do paciente Luiz Carlos Eimert, de 61 anos, se surpreendeu nesta segunda-feira com uma postagem numa rede social em que procuravam parente, alertando que o idoso estava abandonado há três dias no hospital.
— Meu irmão foi internado no dia 26 de junho, com isquemia. Consegui visitá-lo no dia, mas depois, não consegui passar da porta. Fico esperando e nunca liberam a entrada. A postagem na rede social foi feita por uma acompanhante de outro paciente, no dia 6 de julho. Ele achando que estava abandona e eu aqui, sem notícias. Quero transferi-lo para um hospital privado e não consigo falar com médico, laudo, nada. Nunca tem ninguém. Nem ver meu irmão eu consigo — reclama Célia Regina Eimrt, que nesta terça-feira, chegou às 13h40 no Pedro II e, até as 17h30, ainda aguardava para ver o irmão.
Com o déficit de médicos que atinge a unidade desde o dia 12 de junho , apenas um clínico atendia na emergência amarela e verde, na tarde desta terça-feira. Francisca Queiroz, de 70 anos, não aguentou a demora no atendimento e se deitou nas cadeiras da sala de espera, buscando suportar a dor que sentia na barriga. A idosa chegou às 11h40, apresentando ainda pele e olhos amarelados.
— Minha sogra vinha se queixando de dor na barriga e hoje amanheceu assim, toda amarelada. Fomos a uma clínica da família que nos mandou procurar um hospital. Quando chegamos, nos disseram que só havia um médico atendendo, mas ele devia estar almoçando. Ela passou pela triagem e ficou esperando atendimento até as 16h. O resultado dos exames só saiu às 19h. Só então ela foi internada para fazer uma cirurgia da vesícula — contou a nora de Francisca, a dona de casa Márcia Sampaio, de 41 anos.
A Secretaria municipal de Saúde (SMS) informou que há um repasse de R$ 1,8 milhão programado para esta quarta-feira para o custeio do Pedro II e que os pagamentos de todas as unidades de saúde geridas por organizações sociais (OS) já estão sendo realizados, e, até o fim da semana, deverão estar concluídos.
A secretaria afirmou também que está fiscalizando e cobrando da OS SPDM, que administra o Pedro II, a plena execução do contrato de gestão e que está cobrando uma solução a curto prazo para que o serviço de rouparia seja regularizado.
A pasta informou que a emergência do Pedro II funciona de portas abertas, recebendo pacientes inclusive de outros municípios.
Nesta segunda-feira, o Tribunal de Contas do Município (TCM) julgou a gestão do prefeito Marcelo Crivella em 2018. O relatório do conselheiro Antonio Carlos Flores de Moraes apontou um rombo recorde nas contas do município de R$ 3,25 bilhões . Segundo ele, a Secretaria municipal de Saúde continuou a realizar despesas sem prévio empenho (previsão de que há receitas no orçamento para pagar). Apenas em 2018, foram gastos assim R$ 858,9 milhões.
Desde o dia 12 de junho, quando terminou o aviso prévio dos funcionários que decidiram não permanecer trabalhando no Hospital Pedro II depois que a prefeitura voltou atrás e renovou o contrato com a organização social SPDM (que administra a unidade), que ela mesma havia dito que prestava um serviço de má qualidade, cerca de 40 médicos teriam sido desligados, de acordo com funcionários. Sem novas contratações, as escalas estão descobertas.
No último dia 22, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro obteve na Justiça uma liminar que obrigava a prefeitura do Rio e a OS SPDM a garantir o atendimento médico à população no Hospital Pedro II. De acordo com a decisão do desembargador de plantão Paulo Baldez, a gestão da unidade deveria alocar profissionais, especialmente clínicos gerais e pediatras, já naquele fim de semana, sob pena de multa diária de R$ 8 mil para a secretária municipal de Saúde, Ana Beatriz Busch, e para o diretor-presidente da OS, Ronaldo Ramos Laranjeira. O pedido da Defensoria, que encontrou problemas em vistoria realizada em abril, foi motivado pelo desligamento de profissionais que cumpriram aviso prévio até o dia 12 de junho.