Programa de devolução de quelônios solta 240 filhotes de tracajás e iacás ao Rio Negro
A RDS Puranga é umas das 11 Unidades de Conservação (UC) do Amazonas que participou da soltura das tartarugas à natureza neste ano
O relato emocionante da índia Baré Rosymeire Melo faz jus à importância do programa de devolução de quelônios à natureza, em que mais de 240 filhotes de tracajá e iaçá foram soltos no rio Negro no último sábado, na comunidade Nova Esperança. “São como filhos pra mim. Quando a mãe deixa os ovos na praia, saímos às 4h da manhã para chegar antes dos bichos e dos caçadores e os colocamos em uma incubadora. Quando nascem, monitoramos um por um a cada hora e todo 9 de março devolvemos ao rio. É o meu dia mais feliz do ano”, se orgulhou.
De toda a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Puranga, com 15 comunidades, Rosymeire é uma das moradoras que persiste no hábito do manejo sustentável dos répteis. É no terreno da casa dela que os quelônios são protegidos. A artesã defende a prática e explica que, além de honrar suas raízes indígenas, investe no desenvolvimento econômico do local onde mora.
“Aqui, vivemos da pesca, da agricultura e do artesanato. Estendendo a criação das tartarugas, é mais uma coisa boa para gente de fora vir visitar a comunidade, além de também podermos vender no futuro os quelônios”.
A RDS Puranga é umas das 11 Unidades de Conservação (UC) do Amazonas que participou da soltura das tartarugas à natureza neste ano. Apesar de ser um número baixo se comparada a outras UCs – como a de Uacari que chega a soltar mais de 239 mil filhotes anualmente – o feito é comemorado com muita satisfação por todos os barés do local.
Educação
O vice-cacique Joarlisson Baré confirma o sentimento e diz que quer expandir o costume para todas as comunidades do Puranga. “Alguns locais até começaram a recolher os ovos para chocar, mas como na primeira vez não dava certo, eles desistiram. Já nós, insistimos até recebermos a capacitação técnica para o manejo. Uma estratégia nossa foi educar as crianças das comunidades vizinhas sobre o manejo, já que é aqui a única escola da região”, detalhou.
Assim, eles apostam que os pequenos irão passar o conhecimento aos pais, despertando o interesse em formalizar a cultura sustentável da criação de quelônios na reserva.
Manejo sustentável
Segundo a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), uma das metas para os 100 dias do governo é liberar o primeiro protocolo de manejo para a venda autorizada de quelônios, no perfil parecido com que é feito o manejo do pirarucu, por exemplo.
O primeiro documento de liberação está previsto para ser assinado no próximo mês, inaugurando um distrito do interior de Carauari, na região do Médio Juruá, como o primeiro comerciante autorizado. O manejo sustentável da venda de jacaré também está previsto para sair ainda este ano, conforme a pasta.
Ovos são mantidos em incubadora
A época de desova dos quelônios na RDS Puranga costuma ocorrer do final de agosto ao início de setembro. A partir daí, a população coloca os ovos em uma incubadora de isopor com areia para os manter protegidos e em dois meses começam os primeiros nascimentos dos filhotes. Apenas no início de março eles atingem força física para serem soltos.
Turistas acompanham soltura
A agência de turismo Ibieté levou turistas internacionais para ver as tartarugas voltando ao rio, sendo um dos primeiros negócios em Manaus que ofereceu pacotes de passeio nesse perfil.
A proprietária e pesquisadora científica, Maria Augusta Paes, acredita que terá competitividade de mercado a partir disso. “Queremos unir o conhecimento tradicional (do turismo) ao saber científico, expandindo oportunidades a um nicho que não é explorado, apesar da riqueza da nossa região”.
Como pesquisadora, ela espera contribuir para o crescimento desse segmento, estudando sobre a migração dos quelônios e identificando possíveis áreas de fiscalização para a apreensão ilegal dos animais. “Assim, iremos unir o resultado acadêmico à questão social, atrelando as experiências de nicho ao meu negócio e promovendo a preservação da espécie”, conclui.
Visando aproximar a chegada de políticas públicas em comunidades remotas, contudo essenciais para a preservação ambiental, o secretário da Sema, Eduardo Taveira, divulgou que a meta de soltura de quelônios nos rios do Amazonas para este ano chega em torno de 280 mil filhotes. “Isso aqui é uma simbologia do envolvimento da própria população em favor da sustentabilidade ambiental e econômica do Estado. Como órgão de apoio, viemos acompanhar e arrecadar subsídios a ela”, comentou.
Com a estatística de que mais de 95% da floresta é preservada no Estado em paralelo ao dado do amazonense ter um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do País, a promoção de políticas públicas para o uso correto dos recursos naturais é o enfoque da secretaria. “O ensino e a permissão à população retirar, utilizar e comercializar as coisas que nascem na nossa própria terra é o que queremos. Agilizar os planos de manejo do jacaré e dos quelônios, por exemplo, se encaixa no nosso objetivo”, acrescentou.