Pesca organizada do ‘peixe-rei’ Mapará beneficia ribeirinhos no Careiro da Várzea

Pescaria é feita na Área de Proteção Ambiental (APA) Lago do Rei, por cerca de 700 pescadores cadastrados. Além de gerar renda, ação combate a clandestinidade e a degradação ambiental

No fim de semana, numa simples canoa, o pescador João Paulo, de 28 anos, era só alegria junto à esposa e um irmão dele. Munido de rede malhadeira, uma luva e o característico chapéu de palha, ele tarrafeava com um sorriso e brilho nos olhos contagiantes. Eles integram os cerca de 700 pescadores cadastrados para a “Pesca do Mapará”, realizada desde 2017 de forma organizada na Área de Proteção Ambiental (APA) Lago do Rei, no município de Careiro da Várzea, a 25 quilômetros de Manaus.
Até 2016 a pesca do Mapará e de outras espécies era predatória no Lago do Rei, complexo composto por 68 lagos que se tornam um só no período de cheia. Uma semana antes do fim do defeso, que ocorreu na meia-noite da última sexta-feira (15), barcos pesqueiros de Manaus, outros municípios e do Pará invadiam o lago para pescar clandestinamente, sem controle, pegando o “grosso” (maior quantidade do pescado) e prejudicando os pescadores locais.

A venda do Mapará é feita diretamente aos frigoríficos de pescado, que mantém barcos espalhados pelo lago a preço tabelado de R$ 2,20 o quilo do produto e em pagamento à vista. A expectativa para esse ano era da produção de 300 toneladas e em R$ 1 milhão de faturamento aos pescadores ribeirinhos. O balanço final será divulgado até a próxima quarta-feira (20).
“Antes, quando a pesca não era organizada, pescadores clandestinos vinham para essas águas, alguns até armados, disputando pelos pontos. Chamamos eles para a discussão e elaboração de um acordo de pesca, que incluiu a padronização do tipo de malhadeira, por exemplo. Hoje essa situação mudou, inclusive ambientalmente. Há consciência dos pescadores em não poluir o rio”, explica o prefeito Ramiro Gonçalves (PMDB).

O prefeito do Careiro da Várzea, Ramiro Gonçalves (3º da esq. para a dir.), e representantes de barcos
No final de semana, a pesca do Mapará teve a presença de representantes do Governo do Estado, como o secretário executivo-adjunto de Pesca e Aquicultura (Sepa), órgão vinculado à Sepror, Leocy Cutrim, e o assessor do Núcleo e Pesca da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), Rogério Bessa. Ambos ressaltaram a importância do evento.
Leocy Cutrim, que é engenheiro de pesca formado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), foi um dos precurssores no Estado sobre o estudo da determinação da idade e do crescimento do Mapará – o assunto foi o tema da monografia acadêmica dele, defendida em 2005. “Desde 2005 nós já ouvíamos falar que a pesca do Mapará era forte, sendo um potencial pesqueiro que até hoje é”, destacou Cutrim.

O filé do Mapará: iguaria apreciada e exportada até para outros países 
Acompanhando os processos de pesca no município, o assessor Rogério Bessa disse que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) estava presente ao evento para “chancelar e regulamentar as regras construídas participativamente com os mais de 600 pescadores, todos credenciados, com camisas e número de identificação”. Para ele, a expectativa era que o evento do final de semana “fosse modelo para as próximas edições”.
Para pescadores como o sorridente João Paulo, o momento de pescar o Mapará é esperado o ano todo. “Essa é a nossa fonte de renda. Sem essa pescaria, a coisa seria ruim, né?”, conta ele, já de rosto “queimado” pelo Sol da manhã do último sábado.

Nas águas do Lago do Rei, a reportagem encontrou outros personagens curiosos como o pescador Francisco Antônio da Costa, 61, mais conhecido como “Totonho”. Vereador em quarto mandato consecutivo pelo PSD, ele diz que nasceu e foi criado pescando, e que é isso que rege sua vida. Nem um trágico acidente ocorrido em 12 de março de 2000, quando teve a perna esquerda amputada após um choque com uma lancha, o fez deixar a lida pesqueira.
“Me considero um pescador, e não um vereador. Um político tem mandado por 4 anos e se não for inteligente não se reelege. Quando eu sair da Câmara, com certeza volto para pescar com o meu pessoal. Esse momento da pesca do peixe é de alegria pra todos nós”, conta ele, que ajuda um dos primos, dono da embarcação “Comandante Celso” que compra o Mapará dos ribeirinhos careirenses-da-várzea.

Apoio à pesca ordenada
Leocy Cutrim, secretário executivo adjunto de pesca
Como o governo Wilson Lima priorizou o conhecimento técnico, nós estamos aqui dando apoio à pesca ordenada do Mapará. E, por coincidência, meu trabalho de monografia foi sobre a idade e crescimento do peixe. O Mapará tem um rendimento de filé fantástico, sem espinhas, e apesar da população não valorizar muito, é excelente. É muito valorizado pelo pessoal de fora, para exportação, sendo enviado para países como o Canadá e o Japão, por exemplo. Há um grande potencial aqui na região e esse momento no Careiro da Várzea é um grande piloto para ser feito em outras cidades.

O prefeito de Careiro da Várzea, Ramiro Gonçalves, e uma unidade do Mapará
Abacaxi, jacarés e bodós
Segundo a prefeitura local, objetivando fortalecer o setor produtivo e criar uma nova matriz econômica, uma das apostas é na sua vocação agrícola, e tendo como ponto de partida  o investimento na produção do açaí orgânico – num 1º momento para o mercado nacional e, depois, ao internacional. Atualmente, o projeto de produção do fruto tem como local o “Ramal do Cobra”, numa área de 1 hectare e 40 mil mudas.
Em setembro do ano passado, na feira agrícola “Terra Amada”, em Torino, Itália, com a participação de 150 países, o abacaxi do Careiro da Várzea foi considerado o “mais doce do mundo”.
O manejo do jacaré, réptil abundante na região, é um dos objetivos futuros, salienta o prefeito Ramiro Gonçalves. “Do jacaré nós aproveitamos tudo, até a pata. E o piracuí dele é melhor do que o do bodó”, reforça o prefeito.
Frase
“Esperamos por essa época o ano todo. Essa é a nossa fonte de renda. Sem a pescaria, a coisa seria ruim, né?”, disse João Paulo, 28, pescador
*Reportagem viajou à convite da Prefeitura de Careiro da Várzea
Fonte https://www.acritica.com