Guerra prolongada na Ucrânia põe a Europa diante de incertezas

A eclosão da guerra na Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 e seu prolongamento até hoje abalaram a agenda de uma Europa em busca de união política, crescimento econômico e maior independência em segurança e defesa. A invasão das forças russas de Vladimir Putin ao território ucraniano obrigou a União Europeia (UE) e seus países-membros a reverem estratégias de curto a longo prazo, provocou redistribuição de cartas no tabuleiro geopolítico, levou à reavaliação de alianças e alterou planos militares e energéticos.

“A guerra revirou completamente o espaço europeu”, resume Tara Varma, analista do European Council on Foreign Relations (ECFR). “Infelizmente, este conflito não terminará logo, e há uma verdadeira questão sobre o que a UE fará no dia de amanhã”.

O duo franco-alemão, considerado a “locomotiva” da Europa por seu poderio econômico e influência política, acreditava no sucesso das negociações com Moscou e foi surpreendido pelo ataque russo, apesar das advertências dos EUA do “risco humilhante” da agressão e do manifesto temor dos países do Leste Europeu, diz Varma. Segundo ela, de imediato houve duas mudanças de paradigma:

“A primeira foi a coordenação inédita na UE e junto à Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], por meio de sanções rapidamente impostas à Rússia, e de ajuda financeira, humanitária e militar à Ucrânia. Pela primeira vez, a UE forneceu a um Estado não membro da Otan armas letais. A segunda foi a decisão inédita de conceder de forma acelerada status de candidato a entrar na UE a Ucrânia e Moldávia [em junho]”.

O conflito, no entanto, levou a um questionamento do poder decisório franco-alemão por parte dos países do Leste Europeu. Para a analista, Paris e Berlim devem aprender a serem “mais inclusivas”, pois muitos Estados-membros da UE se sentem excluídos das suas discussões a dois.

França e Alemanha partilham dos mesmos princípios, mas “não têm a mesma maneira de enxergar a realidade”, sustenta Varma, e não é anormal que atravessem crises regulares.

Efeitos

Uma das consequências da guerra na Ucrânia foi o lançamento pela Comissão Europeia, em maio, do REPowerEU, programa que visa tornar a Europa independente do gás e petróleo russos até 2030 e investir maciçamente na produção de energias renováveis. Segundo o Eurostat, órgão de estatística da UE, a Europa importava mais de 50% de gás russo em janeiro de 2019, índice que caiu para 15% no primeiro trimestre de 2022.

A Europa reduziu o consumo de eletricidade nos últimos meses, pelo aumento de preços e as temperaturas amenas para a estação até agora. A previsão é de que passe o inverno de 2023 sem cortes. Resta a incógnita para o futuro.

Para Dominique Moïsi, conselheiro especial do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri), a UE foi pega de surpresa na questão energética com a guerra na Ucrânia. Segundo ele, a Europa estava “legitimamente obcecada” com a questão ecológica e sobre como, lentamente, evoluir para fazer com que os países dependessem menos das energias mais poluentes.

A analista Sylvie Matelly, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), acusa a Europa de, num primeiro momento, ter reagido à urgência energética individualmente, em vez de coordenar estratégias e investimentos.

Defesa

O conflito russo-ucraniano também afetou as ambições de uma Europa com maior autonomia em segurança e defesa, sobretudo em relação à Otan e aos EUA. Para Florent Marciacq, do Centro Internacional de Formação Europeia, as visões dos Estados-membros da UE sobre a defesa da Europa se tornaram agora ainda mais divergentes.

Matelly, do Iris, identifica dois movimentos na UE: um desejo de reforçar a soberania nacional, o parque industrial e uma política de defesa, e ao mesmo tempo investir mais na relação com os EUA.

“O interesse americano é frear o desejo da China de se tornar primeira potência mundial. Seremos empurrados a um alinhamento com os EUA, e isso terá consequências importantes para a economia europeia e o resto do mundo. Essa é uma grande questão para os anos vindouros, porque é um fator que vai dividir profundamente os europeus”.

Por Redação

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