Guerra na Ucrânia: por que o sonho de Putin de vitória no conflito está ruindo

“A verdade está do nosso lado, e a verdade é força! A vitória será nossa!”, bradou o presidente russo, Vladimir Putin, em um microfone na Praça Vermelha, em Moscou, após uma cerimônia na qual proclamou quatro grandes pedaços do território ucraniano como sendo agora parte da Rússia.

Mas no mundo real, a situação parece bem diferente.

Enquanto Putin assinava seus tratados de anexação ilegal no Kremlin, as forças ucranianas avançavam dentro das áreas que ele acabara de tomar. Centenas de milhares de homens estão fugindo da Rússia para não serem alistados para lutar em uma guerra ainda em expansão.

E as coisas estão indo tão mal no campo de batalha que Putin e seus apoiadores estão agora reformulando o que outrora afirmavam ser a “desnazificação” da Ucrânia e a proteção dos falantes de russo como uma luta existencial contra todo o Ocidente “coletivo”.

Essa é a verdade — e nada disso favorece a Rússia.

“Ele está em uma zona cega. Parece que não está realmente vendo o que está acontecendo”, argumenta o editor do site Riddle Russia, Anton Barbashin, sobre Putin.

Como muitos, o analista político acredita que o presidente da Rússia foi pego completamente desprevenido pelo forte apoio ocidental a Kiev, assim como pela forte resistência da Ucrânia à ocupação.

“Todo mundo que trabalha com Putin conhece sua visão do mundo e da Ucrânia, conhece suas expectativas. Eles não podem fornecer a ele informações que contradigam sua visão. É assim que funciona”, explica Tatyana Stanovaya, chefe da empresa de análise R.Politik.

O último discurso do presidente, proferido sob os lustres dourados do Kremlin, reafirmou sua visão de uma nova ordem mundial. Envolve uma Rússia poderosa, um mundo ocidental intimidado que foi forçado a aprender a respeitá-la e Kiev subjugada mais uma vez a Moscou.

Para conseguir isso, a Ucrânia é o campo de batalha escolhido por Putin.

Mesmo que suas ambições pareçam em grande parte ilusórias, ele não parece disposto a recuar.

“Muitos cálculos importantes com os quais o Kremlin estava trabalhando não deram certo, e não parece que Putin tenha um plano B, além de continuar empurrando as pessoas para a linha de frente e esperando que números absolutos impeçam a Ucrânia de avançar ainda mais”, avalia Anton Barbashin.

Convocação

Muitos russos foram capazes de aceitar isso — até mesmo apoiá-lo —, enquanto não os afetava diretamente. Mas a convocação de militares reservistas transformou algo distante e abstrato em um risco muito próximo e pessoal.

Os políticos regionais estão se atropelando em uma corrida ao estilo soviético para preencher suas cotas, convocando o maior número possível de homens.

“Este é um momento de definição. Para a maioria dos russos, a guerra começou há algumas semanas”, diz Anton Barbashin.

“Nos primeiros meses, as pessoas que morriam eram principalmente das periferias e centros menores. Mas a mobilização (dos reservistas) vai acabar mudando isso, pois os caixões vão voltar para Moscou e São Petersburgo.”

A convocação gerou longas trocas de mensagens nas redes sociais por parte de esposas e mães dos novos recrutas — aquelas que não correram para as fronteiras quando a mobilização foi anunciada.

Algumas das postagens — e vídeos dos próprios homens — revelam condições sombrias: má alimentação, armas velhas e falta de suprimentos médicos básicos. As mulheres discutem o envio de absorventes higiênicos para acolchoar as botas dos homens e tampões para tapar suas feridas.

O governador regional de Kursk, na Rússia, descreveu as condições em várias unidades militares como “simplesmente terríveis”, até mesmo com a falta de uniformes.

Tais revelações abrem buracos em uma das alegações de que Putin mais se orgulha: que ele reconstruiu as forças armadas russas, transformando-a em uma força de combate profissional na qual os cidadãos patriotas vão querer servir.

“Estamos em um estágio em que uma parte significativa da sociedade russa ainda acredita que ‘a Rússia é uma grande potência combatendo a Otan na Ucrânia’, e enviar meias e escovas de dentes para os recrutados é um sinal de patriotismo”, tuitou Anton Barbashin nesta semana.

Mas a confusão gerada pela convocação e o constrangimento militar da Rússia estão levando figuras mais proeminentes a se manifestarem.

Quando liberais condenaram a invasão da Ucrânia, eles foram presos — e muitos ainda estão atrás das grades.

Nos círculos pró-Kremlin, a palavra “guerra” agora é lugar-comum, assim como as fortes críticas ao comando militar da Rússia.

O parlamentar Andrei Kartapolov fez um apelo ao Ministério da Defesa para “parar de mentir” sobre as dificuldades russas, porque “nosso povo está longe de ser estúpido”.

Por Redação

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