Guerra da Ucrânia entra no terceiro ano longe de um desfecho
O mundo foi surpreendido em 24 de fevereiro de 2022 com a decisão de Vladimir Putin de lançar um injustificado ataque de larga escala contra a Ucrânia. Ao completar dois anos, o conflito parece longe de um desfecho e sem uma solução negociada à vista. Sem grandes avanços no campo de batalha, a Rússia agora aposta no front político e na divisão do Ocidente para virar a maré da guerra.
A avaliação de que Kiev seria tomada em poucos dias, o que daria a Putin a chance de forçar uma rápida rendição do governo de Volodymyr Zelensky, se mostrou equivocada graças à bravura dos ucranianos e o apoio sem precedentes do Ocidente. Ao contrário do que se imaginava, a Rússia obteve poucas conquistas militares relevantes desde a invasão e se viu obrigada a recuar em parte dos territórios que chegou a dominar, após uma contraofensiva lançada pela Ucrânia no ano passado.
A situação pouco mudou neste aniversário do segundo ano de conflito. Com as incontáveis perdas humanas e militares desde então, nenhum dos dois lados tem força suficiente para mudar o destino da guerra no curto prazo, segundo analistas. Com isso, está em curso uma reavaliação de estratégias para o futuro. Os ucranianos passaram a adotar uma “defesa ativa”, lógica que permite reconstituir e reequipar suas forças, sem deixar de lançar ataques de alto perfil dentro da própria Rússia e nos territórios ocupados. Já Moscou acelera a produção de sua indústria bélica e corre para incorporar novas tecnologias ao conflito. Sinal disso foi o lançamento do míssil hipersônico Zircon, capaz de superar os sistemas de defesa mais avançados, como o americano Patriot, disponibilizado à Ucrânia pelo governo Joe Biden.
Ao entrar no terceiro ano, o front político deve ganhar protagonismo. A sequência da resistência ucraniana depende dos humores eleitorais nos Estados Unidos, que elegem um novo presidente este ano, e na Europa, que vota a composição do novo Parlamento Europeu. Com muitos céticos em relação a uma vitória definitiva da Ucrânia, cresce a visão de que os pacotes de ajuda a Kiev são um desperdício de dinheiro. A “fadiga da guerra” é explorada por grupos de extrema direita, simpatizantes do autoritarismo de Putin, e atrapalha a liberação de mais recursos.
Visto como principal aliado de Putin entre os líderes europeus, Viktor Orbán, o premiê da Hungria, fez jogo duro antes de ceder na votação da última rodada de ajuda à Ucrânia, de €50 bilhões, enquanto buscava liberação de fundos bloqueados por afrontar os padrões democráticos do bloco. Nos EUA, o Senado aprovou um novo pacote de apoio de US$ 61 bilhões, mas a tramitação na Câmara dos Deputados ameaça ser muito mais conturbada graças a Donald Trump. O virtual candidato do Partido Republicano à Casa Branca vem pressionando correligionários a rejeitá-lo e, recentemente, chocou o Ocidente com uma ameaça de não proteger os membros da Otan em caso de uma invasão promovida pela Rússia, em um ataque ao pilar que sustenta a aliança militar.
A eventual perda do apoio americano seria um desastre para o esforço de guerra da Ucrânia, que atualmente investe metade de seu orçamento na defesa contra a Rússia e já enfrenta grandes dificuldades, como a falta de munição. Segundo relatório do Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), a União Europeia precisaria dobrar a ajuda a Kiev para compensar a lacuna aberta por Washington. Desde a invasão até janeiro deste ano, juntos, europeus e americanos desembolsaram €155,3 bilhões em apoio militar, financeiro e humanitário à Ucrânia.
Putin sabe que o veredicto das urnas dos dois lados do Atlântico, especialmente nos EUA, será crucial para o futuro da guerra e que talvez possa conquistar politicamente as vitórias que não conseguiu no campo de batalha. Em entrevista a Tucker Carlson, ex-âncora da Fox escolhido a dedo para a ocasião por ter grande audiência entre eleitores trumpistas, o líder russo falou diretamente aos republicanos, dizendo que o Congresso americano deve primeiro lidar com problemas domésticos, como a imigração — uma das bandeiras de Trump -, antes de aprovar um novo pacote de ajuda à Ucrânia. Também propôs a Washington um acordo para encerrar a guerra em que a Ucrânia cederia territórios à Rússia, uma linha vermelha que Kiev não está disposta a cruzar.
Com a perspectiva de que o conflito se estenderá, o Ocidente precisa repensar como lidar com a Rússia e refletir, para além do conflito, sobre qual recado será enviado ao mundo se Putin triunfar. As sanções comerciais impostas desde o início da invasão, embora tenham reduzido as receitas e prejudicado a economia russa, não surtiram o efeito desejado. Vários países seguem comprando petróleo e outros produtos de Moscou, alimentando a máquina de guerra. O Kremlin também se aproveitou do momento de disputa geopolítica entre EUA e China para se alinhar à esfera de influência de Pequim, que pode se sentir mais disposta a agir contra Taiwan se a Ucrânia for derrotada.
É preciso também um esforço diplomático para convencer países que se mantiveram neutros, como o próprio Brasil, a repensarem suas posições em relação à Rússia. A morte em condições no mínimo duvidosas do opositor Alexei Navalny e a intenção de que a guerra continue até que a Ucrânia seja subjugada mostram que Putin está cada vez mais distante de valores que o Palácio do Planalto diz defender. (Opinião – Valor Econômico)
Por Redação