Filhos da guerra na Ucrânia: uso de esperma de militares mortos traz debates éticos e legais

“Como explicar a uma mulher aflita que, literalmente há alguns meses, fazia planos com o marido para ter um filho, e que enquanto o marido defendia o Estado e morria, os nossos legisladores o privaram do direito de ser pai após a sua morte?”, escreveu, em uma publicação no Facebook em janeiro, a advogada ucraniana Olena Babych, citando um caso que, em dias, se tornaria uma importante causa política no país.

Olena se referia ao relato de uma mulher que perdeu o marido na guerra contra a Rússia, e que estava sendo impedida por uma nova lei, aprovada em dezembro, de usar o esperma congelado dele em uma inseminação. A queixa viralizou no país, e chegou ao Parlamento, onde uma nova lei, permitindo o uso, deve ser aprovada em breve.

Mais do que ressaltar um tema local, a publicação de Babych serviu para jogar luz sobre uma prática cada vez mais frequente entre militares de nações em guerra: o congelamento de esperma e óvulos antes da ida para o front. Uma forma de garantir uma gestação futura, em caso de acidente ou de morte, e que traz consigo uma série de questões legais e éticas.

Apesar do debate atual, homens e mulheres já congelam há muito tempo seus espermas e óvulos para posterior utilização, por razões de saúde ou escolhas pessoais. Neste contexto, a guerra se tornou mais um fator.

“Por exemplo, o congelamento é feito antes de uma quimioterapia, de uma radioterapia pélvica ou de um procedimento cirúrgico em que vai ser necessário retirar os testículos ou os ovários. Existe também a procura antes da vasectomia, por homens que fazem o procedimento mas eventualmente não sabem se no futuro não vão desejar um novo filho”, afirmou a presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, Paula Andrea de Albuquerque Salles Navarro.

Retirada póstuma

Dentre os países cujas Forças Armadas têm políticas de reprodução humana, nenhum tem ações tão inovadoras (ou extremas) como Israel. Em um país considerado vanguarda do setor, uma técnica conhecida como retirada póstuma de esperma é usada há anos em militares e civis para permitir que uma pessoa, mesmo depois de morta, possa ser pai ou mãe de uma criança.

Esse procedimento precisa ser realizado até 72 horas após o falecimento, e as células poderão ser armazenadas por tempo indeterminado, como o material retirado de maneira tradicional. Como apontou a dra. Paula Andrea, a técnica não está disponível no Brasil, tampouco há previsão para seu uso, mas em Israel há alguns casos emblemáticos.

Avanços científicos, especialmente os que lidam com a vida, são acompanhados por longas discussões legais, éticas e morais. O diretor do Centro de Direito da Saúde e Bioética do Kiryat Ono College, Gil Siegal, em entrevista à CNN defendeu uma reflexão sobre o uso do material genético de pessoas que não estão mais entre nós: para ele, é necessário pensar “nas implicações da orfandade planejada, motivada pelo pedido dos pais do falecido”.

A professora de Direito Civil da Universidade Federal da Bahia, Amanda Barbosa, reconheceu ser necessário um debate sobre o uso póstumo de material genético, mas vê outras questões à frente da “orfandade planejada”.

“Ao meu ver, o consentimento prévio é ainda mais relevante, embora não desconsidere os impactos psicológicos da ausência de um pai ou de uma mãe no crescimento de um ser humano”, afirmou. “Nós estamos falando de um contexto ético e jurídico que admite que pessoas solteiras sozinhas façam uso da reprodução humana assistida ou que adotem crianças. Então se nós admitimos esse argumento [da orfandade planejada] para impedir o uso do material biológico na reprodução humana seria incoerente.”

Para os parentes de pessoas que morreram e tiveram suas células retiradas, cada decisão traz consigo uma carga emocional própria, que deve ser respeitada.

“Eu entendo por que as pessoas dizem ‘isso é errado’. Mas se você nunca esteve nesta posição, é uma longa jornada. Uma jornada que nunca termina. Eu sou mãe agora, eu lembro do olhar nas faces de meus pais quando estavam enterrando seu filho. E era apenas uma tela em branco”, disse ao site Stat News Wendy Ward, cujo irmão, Daniel Christy, teve o esperma retirado e congelado depois de morrer em um acidente de carro, em 2007.

Por Redação

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