Espionagem e intimidação de Vladimir Putin afligem países bálticos e escandinavos
A invasão da Ucrânia trouxe a guerra de volta ao coração da Europa e, com ela, um temor enraizado há séculos na região: o expansionismo russo. Quando Vladimir Putin tornou claros seus objetivos nas estepes ucranianas, em fevereiro de 2022, um sinal de alerta acendeu nas capitais do Báltico e da Escandinávia.
Mais de um ano depois, ações de espionagem, intimidação e sabotagem no Norte da Europa aumentaram a preocupação de ex-repúblicas soviéticas como Lituânia, Letônia e Estônia e países escandinavos como Finlândia, Suécia e Noruega, que agora se preparam para conter a Rússia no campo militar e diplomático.
Erika Fatland, antropóloga norueguesa que viajou pelas 14 fronteiras da Rússia e escreveu o livro A Fronteira – Uma Viagem em Torno da Rússia, explica que Moscou sempre manteve uma política expansionista no leste e no norte da Europa. Em toda a história, diz, o único vizinho que nunca foi invadido pelos russos é a Noruega.
“A Rússia é um Império, mas é um Império que nunca teve colônias em outros continentes como Portugal ou Reino Unido tiveram, mas se expandiu constantemente conquistando os povos vizinhos. Então é assim que o Império Russo tem funcionado desde o começo. e é por isso que sempre foi muito perigoso ser vizinho da Rússia”, diz.
Expansão
De acordo com uma série de documentos que foram revelados por um consórcio de jornalistas de veículos da Lituânia, Polônia, Alemanha, Letônia, Estônia e Reino Unido em abril, o Kremlin desenhou, a partir de 2021, um plano para influenciar diretamente os países bálticos, com o objetivo de afastá-los do Ocidente. Essas metas consistiam no enfraquecimento das instituições democráticas nesses países e em expandir a influência cultural russa na região.
A invasão da Ucrânia, no entanto, teve a consequência oposta à pretendida pelo Kremlin. A Otan se fortaleceu e com isso as repúblicas do Báltico receberam mais tropas e armamentos. Na cúpula da Otan no ano passado, em Madri, a aliança decidiu aumentar o efetivo de tropas em suas bases no Báltico de 1,8 mil para até 6 mil em cada país da região. Além disso, para se contrapor a Moscou, Estônia, Letônia e Lituânia também prometeram ajuda humanitária e diplomática a Kiev.
“Nós constantemente tivemos esse desafio de enfrentar ameaças híbridas de Moscou e Putin tradicionalmente usa essa estratégia para manter as regiões ou os países de sua esfera de interesse com medo”, aponta o cientista político Nerijus Maliukevičius, professor de relações internacionais da Universidade de Vilna, na Lituânia, em entrevista do Estadão. “Mas seria um desastre para a Rússia se eles decidissem atacar os países bálticos, principalmente após a invasão da Ucrânia, que fez com que a Finlândia e a Suécia quebrassem posições antigas de neutralidade.”
Espionagem e intimidação
Sem condições militares de fazer no Báltico o que tenta na Ucrânia, Putin usa a carta da intimidação. As perigosas manobras de caças russos em espaço aéreo patrulhado pela Otan se tornaram mais rotineiras. Nos últimos três meses, foram registrados três episódios do tipo, dois no Báltico e um no Ártico. Em um deles, além dos Sukhoi, a Força Aérea alemã interceptou um IL-20, um avião de elite usado em missões de reconhecimento e espionagem pelo Kremlin.
Ameaças de sabotagem também ocorrem pelo mar. De acordo uma investigação conjunta de emissoras de TV públicas na Noruega, Dinamarca, Suécia e Finlândia, a Rússia tem uma frota de navios instalada no Mar do Norte para sabotar parques eólicos, tubulações de gás e cabos de comunicação de países nórdicos.
Segundo a investigação, a frota russa se disfarça de navios de pesquisa ou de arrastões de pesca e carrega equipamentos de vigilância subaquática e mapeamento da área, com o objetivo de planejar ataques para danificar as comunicações ou derrubar sistemas de energia.
“Já ouvi dizer tantas vezes que se a Otan não tivesse se expandido para o leste não teríamos tido a guerra na Ucrânia e eu discordo e acho que os países bálticos teriam sido invadidos há muito tempo se não tivessem aderido a União Europeia e a Otan”, pondera a antropóloga norueguesa.
Influência
Segundo analistas, o interesse de Putin no Báltico tem origem na desintegração da União Soviética e mistura objetivos estratégicos de recriar uma zona de influência na fronteira ocidental russa e a necessidade de uma espécie de vingança pessoal do ex-espião da KGB.
As três repúblicas do Báltico foram as primeiras a romper com o Partido Comunista, antes ainda da desintegração completa do país. Pouco mais de uma década depois, Lituânia, Estônia e Letônia deram entrada na Otan e na União Europeia, o que foi considerado uma espécie de traição pelo chefe do Kremlin.
Para o historiador russo-americano Leon Aron, do American Enterprise Institute, os países bálticos são considerados traidores pelos russos por terem entrado na Otan e União Europeia.
“Em diversos discursos Putin já falou que traidores são diferentes de inimigos comuns, porque você pode negociar com um inimigo, mas traidores te apunhalaram pelas costas. É uma questão pessoal”, avalia Aron.
“Putin exerce essencialmente uma narrativa de guerra, de que a Rússia está cercada por inimigos e de que o país precisa ser respeitado militarmente. O presidente russo vendeu a guerra contra a Ucrânia como uma guerra contra a Otan e que era necessário defender a pátria russa. Putin se alimenta desta retórica”, completa o historiador.
Por Redação