Editorial COVID-19 – Qual a minha inquietação?

Por: Prof.ª Drª Fabiana Fernandes Leal, é psicóloga de formação, com Doutorado na área e atua como docente da UFAM-Humaitá. Residente na cidade desde 2006.

Humaitá-AM: Fui convidada pelo portal Barrancas a escrever sobre a quarentena e inicialmente resisti, por diversas razões, embora muito preocupada e inquieta com a postura dos humaitaenses. Mas hoje, dia 08/04/2020, ao assistir a um depoimento que comento a seguir, percebi a necessidade de compartilhar, com um maior número de pessoas do que tenho acesso diariamente, essa minha inquietação.

Deixo claro, desde o princípio, que esse texto não tem cunho político-partidário de nenhuma espécie. Sou apenas uma cidadã preocupada com os cidadãos humaitaenses, que também exerce a função de professora e pesquisadora nessa cidade.

Qual a minha inquietação então? Bom, desde que comecei a ouvir sobre essa nova doença, a COVID19, em janeiro, um estado de alerta foi despertado em mim. Ai alguém poderia perguntar: “mas isso é um problema lá na China, do outro lado do mundo, porque você, moradora do interior do Amazonas, está preocupada com isso? Essa doença nunca vai chegar ai!”.

Pois bem, eu nunca acreditei nisso. Alguns podem dizer: “você é doida”, “neurótica” ou coisa do tipo, até posso ser um pouco doida, afinal, como diz o ditado “de médico e louco todo mundo tem um pouco”, mas prefiro me rotular como “alguém informada”.

Os dias foram passando até que o primeiro caso foi diagnosticado e divulgado no Brasil em 26/02 (Ministério da Saúde, 2020). Ahhh (alguns diziam) mais é lá em São Paulo, tão longe de nós…

Será que estava tão longe? Até janeiro era “do outro lado do mundo”, e em fevereiro já chegava em nosso país. Até que no dia 13/03, menos de um mês depois, registra-se o 1º caso de COVID19 em Manaus, nossa capital (SUSAM, 2020).

Apesar de todas as notícias, da aproximação da doença à nossa realidade (afinal estamos a 200km de Porto Velho, 700km de Manaus, onde é o foco da epidemia e pouco mais de 300 km de Manicoré, que registrou o primeiro caso dia 08/04), dos Decretos Estaduais e Municipais, a população humaitaense, de um modo geral, parece ainda não ter tomado consciência da letalidade desse vírus. Foi nesse contexto que o depoimento a que eu tive acesso me fez pensar tanto na realidade presenciada em nossa cidade nesse momento, vamos a ele.

Uma família da cidade de Itapecerica da Serra-SP fez uma festa de aniversário no dia13/03, até então não havia a determinação de ISOLAMENTO SOCIAL e NENHUM caso havia sido registrado na cidade, logo, nada impedia que a festinha familiar fosse realizada. Um ou dois dias depois da festa, um dos familiares começou a apresentar os sintomas de uma gripe muito forte e mais 13 convidados também “griparam” nos dias posteriores. Nenhum dos familiares havia saído do país ou estado na capital (onde já havia casos confirmados). A maioria dos familiares foi melhorando da “gripe” exceto três irmãos, que ao contrário, só pioravam. Esses ficaram internados aproximadamente uma semana. A irmã faleceu dia 01/04, um irmão no dia 02/04 e o outro irmão no dia 03/04 (GLOBO, 2020; ESTADÃO, 2020).

O que quero mostrar ou dizer com esse caso? O que isso tem a ver conosco, em Humaitá? A resposta é bem simples: os moradores de Itapecerica da Serra não tinham casos confirmados na cidade e mantinham suas vidas relativamente normais, apesar de
saberem da doença e do que estava acontecendo no mundo (muito parecido com o que se vive em Humaitá atualmente). Só foram perceber a letalidade do vírus quando uma família da cidade perdeu, de maneira repentina, três membros, que passaram a ser os primeiros casos de COVID19 naquela cidade.

As minhas perguntas e ao mesmo tempo a reflexão que quero deixar é: será que os moradores de Humaitá vão deixar para se cuidar somente após o registro de mortes na cidade? Conhecendo o nosso contexto e a logística para se enviar amostras para serem analisadas em Manaus, quantos casos poderão existir na cidade quando o primeiro exame analisado der POSITIVO para o novo Coronavírus? Estamos preparados para enterrar nossos mortos sem velório e de caixão fechado? Quantos precisarão morrer para despertarmos para a letalidade desse vírus? Vamos esperar até quando para começar a nos cuidar??

Diferentemente de outras situações, o que o COVID19 tem demonstrado a partir das experiências que aconteceram em países como Itália e Espanha, é que, ainda não há nenhum medicamento que tenha comprovada a sua eficácia para o tratamento do COVID19 e ainda também não há vacinas para que possamos preveni-lo. A única possibilidade que temos, hoje, de evitar mortes em massa é ficarmos em casa e tomarmos os devidos cuidados quando for imprescindível a nossa saída.

O ato de ficar em casa é, além de tudo, um ato de respeito e cuidado com aqueles que não tem esta possibilidade e estão no front, cuidando daqueles que necessitam e que não podem parar suas atividades.

É melhor que pequemos agora pelo excesso de zelo, visto que não temos ainda dimensão do que o vírus é capaz, e não nos arrependamos depois por não termos nos cuidado e cuidado daqueles que nos são caros. Não há nada mais caro que a nossa vida!

 
foto: internet

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