Calamidade e o aumento da inflação minaram a popularidade do presidente turco, que pode até adiar as eleições

O terremoto que atingiu a Turquia pode ter um efeito político devastador. Com a popularidade no nível mais baixo em 20 anos, a três meses da eleição, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, vê a sombra da derrota pela primeira vez. Já seus adversários enxergam outra coisa: o risco do aumento do autoritarismo.

Analistas turcos consideram a eleição presidencial de maio a primeira em uma geração que pode redefinir os rumos do país. Em 1999, foi justamente Erdogan que se aproveitou de uma situação parecida.

Ele chegou ao poder depois de uma resposta fracassada do governo ao terremoto de 1999, que deixou 17 mil mortos. Erdogan dominou a política turca por desde então, mas seu apoio vem enfraquecendo em razão da inflação que prejudica sua fama de bom administrador. “Este terremoto, aliado à disparada inflacionária, pode destruir a imagem de Erdogan”, disse Soner Cagaptay, chefe de pesquisa sobre a Turquia no Washington Institute.

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Erdogan cultivou uma imagem de autocrata, mas eficaz, um patriarca que substituiu o chamado “devlet baba”, o Estado paternalista. Sua base o ama. Seus oponentes o temem. “O argumento de que a Turquia precisa de um líder autocrático eficaz desmorona se as pessoas disserem que o Estado não está lá quando precisam”, disse Cagaptay. “Sua base terá dificuldade em aceitar a parte autocrática sem alívio efetivo após o terremoto.”

Na quarta-feira, a situação de calamidade fez o presidente visitar o epicentro do terremoto, onde enfrentou a raiva da população. Os sobreviventes reclamavam de jamais terem visto sinais de equipes de socorristas, além de passarem frio e fome. “Onde está o Estado?”, gritava desesperado um homem que se identificou como Ali, em Kahramanmaras.

Ainda não está claro o efeito do terremoto nas chances de reeleição de Erdogan. A maioria das províncias atingidas são socialmente conservadoras e redutos do partido do presidente, o AKP, de raízes islâmicas. “O desempenho dele nessas províncias tem sido acima da média nacional”, disse Sinan Ulgen, ex-diplomata turco e presidente do centro de estudos Edam, com sede em Istambul.

As dez províncias mais afetadas pelo terremoto representam 15% da população de 85 milhões da Turquia e uma proporção semelhante do Parlamento de 600 assentos. Em 2018, Erdogan venceu as eleições em todas essas províncias, exceto em Diyarbakir, que votou no partido pró-curdo HDP e em seu candidato Selahattin Demirtas, que concorreu às eleições da prisão.

Liderança

Pesquisas mostram Erdogan com cerca de 37% a 40% das intenções de voto, um pouco abaixo de sua aprovação, que já foi de 65%. Uma política econômica fracassada causou disparada da inflação, aumento do custo de vida e minou a popularidade de Erdogan.

Agora, o colapso de tantos edifícios na Turquia revolta ainda mais a população. Há evidências de que o conselho de especialistas em terremotos foi ignorado e os códigos de construção foram desrespeitados, enquanto supervisores corruptos ou incompetentes fizeram vista grossa.

Autocracia

Opositores turcos e autoridades ocidentais acusaram Erdogan de empurrar a Turquia para uma autocracia. Em 2017, o presidente alterou a Constituição para mudar o sistema de governo, de parlamentar para presidencial. Segundo analistas, a medida abriu a prerrogativa para que Erdogan emitisse decretos, regulasse ministérios e removesse funcionários sem precisar do Parlamento.

Na terça-feira, ele declarou estado de emergência por três meses em 10 províncias afetadas pelo terremoto, limitando liberdades e restringindo viagens. A medida levantou preocupações imediatas.

“Claro que existe uma razão prática para o estado de emergência, mas não podemos negar que isso vai tornar mais fácil para Erdogan calar os críticos”, afirmou ao Estadão Sinan Ciddi, especialista da Marine Corps University e professor da Georgetown University. ADIAMENTO. Críticos de Erdogan dizem que isso já começou. O acesso ao Twitter ficou restrito depois que as pessoas o usaram para criticar a resposta do governo ao terremoto. Foi por apenas algumas horas, mas teve o efeito esperado de diminuir a revolta da população.

Erdogan agora também pode adiar as eleições ou tomar medidas contra opositores para manter a “ordem pública”. Alguns analistas esperam que governo e oposição cheguem a um acordo sobre uma data posterior, já que é improvável que as condições nas províncias afetadas pelo terremoto permitam a realização da votação em maio.

Por Redação

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