Aumento de gastos e risco de calote nos Estados Unidos: saiba por que nada disso assusta o mercado

Na última quinta-feira (19), o Tesouro americano anunciou que o governo federal estava prestes a estourar o teto de gastos, chegando a US$ 31,4 trilhões. Isso equivale a R$ 162,6 trilhões. A reação do mercado foi de quase total indiferença, com as bolsas fechando no azul no dia seguinte ao anúncio.

Mesmo as oscilações em NY parecem ser motivadas por outras questões. Balanços das empresas, temores de recessão e superaquecimento do mercado de trabalho e da renda são os motivos apontados para o mau humor.

Secretária do Tesouro, Janet Yellen adotou medidas extraordinárias para economizar caixa e ganhar mais tempo. Até o início de junho, o país terá cortes pontuais e temporários em gastos sociais até que o Congresso articule um novo aumento no teto.

Portanto, os EUA terão quase seis meses para acomodar o aumento da sua dívida. Esse processo é feito recorrentemente na política econômica americana.

E por que isso não altera sensivelmente o humor no mercado financeiro, como costuma acontecer no Brasil, por exemplo?

Para os analistas, o que mais traz tranquilidade aos investidores é o risco real muito baixo de calote dos EUA. Isso se deve ao histórico de bom pagador do Estado americano.

“Há, de fato, um baixíssimo risco de uma falha de curto prazo no pagamento pelos EUA de suas dívidas detidas por investidores”. A fala é de Celso Pereira, diretor de Investimentos da Nomad, fintech que oferece conta de investimento nos Estados Unidos.

O executivo diz que, no mais catastrófico dos cenários, o pagamento deve acontecer com alguns dias de atraso. Isso se o Congresso não chegar rapidamente a uma solução para o aumento de gastos.

No caso americano, portanto, o aumento dos gastos do governo são, não apenas tolerados pelo mercado, como almejado para que os pagamentos sejam realizados.

“O governo federal dos EUA jamais deixou de pagar seus investidores em razão do limite de endividamento legal, o que faz crer ser baixa a probabilidade de um calote. Desde 1960, o Congresso já agiu 78 vezes para aumentar ou revisar o limite de endividamento”, detalha Pereira.

Títulos americanos

Nas últimas décadas, o Congresso americano tem passado pela rotina de revisar gastos. E, em todas as vezes, chegou a um consenso. Esse histórico de boa convergência entre democratas e republicanos – embora tenha se deteriorado nos últimos anos, com a polarização – segue sendo um refresco para os investidores.

No curto prazo, os detentores dos títulos do governo dos EUA não devem alterar seu comportamento.

Porém, no médio e longo prazos, se não houver acordo no Congresso, pode haver alta de juros e queda nos preços dos títulos.

Neste caso, os papéis com vencimentos mais longos podem sofrer mais.

“Uma falha no pagamento, ainda que por poucos dias, pode gerar um dano permanente à reputação dos títulos de dívida do tesouro dos EUA. Hoje, eles são como porto seguro para qualquer investidor”, explica Pereira, da Nomad.

Brasil

“O investidor que detém títulos americanos está sempre confiante de que haverá um consenso no Congresso entre democratas e republicanos para que a dívida seja aumentada e os compromissos, pagos, embora haja disputas importantes até que se chegue ao consenso”, diz Antonio Kritsinelis Filho, economista da Octante.

“Os republicanos puxam para uma redução de despesas, e os democratas querem elevar o teto, em discussão parecida com a elevação do teto aqui no Brasil, com o PT pedindo R$ 200 bilhões e o Congresso dizendo que só ia dar R$ 80 bilhões”, compara.

Kritsinelis reconhece que, se fosse a mesma situação no Brasil ou em um país emergente, os ativos já teriam encontrado dificuldades para manter um patamar saudável porque os investidores desconfiam mais dessas economias e da capacidade de elas quitarem suas dívidas diante de um cenário adverso.

“Nos EUA, não existe um receio nos investidores com relação ao endividamento do país. No Brasil, esse receio existe”, afirma o analista. “A credibilidade é menor em países emergentes porque existe uma chance maior de default. O Brasil, por exemplo, já recorreu a isso várias vezes ao longo da sua história”, acrescenta.

A última vez que o Brasil anunciou um calote na dívida foi em 1987, ainda antes da primeira eleição direta, da atual Constituição e do Plano Real.

Em 20 de fevereiro daquele ano, o então presidente José Sarney anunciou suspensão do pagamento de juros da dívida externa, a chamada moratória.

Confiança

Apesar de o País ter voltado atrás na sua decisão pouco tempo depois, o Brasil sofreu com uma crise de crédito pelos anos seguintes, com uma declaração do então presidente do banco central americano (Fed) Paul Volcker sentenciando: “A confiança no Brasil foi perdida”.

Por tudo isso, se o Brasil chega a uma situação parecida, o comportamento dos ativos deve ser bastante diferente do notado nos EUA, afirma Kritsinelis, e tudo é uma questão de o investidor sentir segurança ou não no pagamento da dívida.

Apesar dos discursos que colocaram o Brasil como um lugar arriscado para investir, o país voltou a ser visto com bons olhos pelo mercado. Em 2008, durante a segunda gestão de Lula, o País conquistou o chamado grau de investimento da agência S&P, que significa pouca possibilidade de inadimplência e, portanto, baixo risco.

Por Redação

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