Após o atentado contra a vice-presidente, Cristina Kirchner, o governo da Argentina debateu uma lei para coibir o “discurso de ódio”

O atentado contra a vice-presidente, Cristina Kirchner, fez com que o governo da Argentina colocasse em pauta uma lei para coibir o “discurso de ódio”. A oposição alertou que o projeto poderia ser um atalho para perseguir a imprensa e o Judiciário, o que fez com que a ideia fosse abandonada. Analistas viram a manobra como uma tentativa de desviar o foco da crise econômica.

Nos últimos dias, o presidente argentino, Alberto Fernández, voltou a afirmar que é necessário algum tipo de regulação para impedir que as redes sociais disseminem conteúdos violentos, como forma de responder ao aumento da polarização política.

Cristina foi alvo de um ataque frustrado quando retornava para casa, no bairro da Recoleta, no início de setembro. Na ocasião, Fernando Sabag Montiel puxou o gatilho de uma arma a poucos metros da vice-presidente, mas o disparo não ocorreu.

Montiel é brasileiro, mas há 30 anos na Argentina, e tem poucos laços com o Brasil. Ele e a namorada, Brenda Uliarte, foram presos por tentativa de assassinato. “O que mudaria (com a aprovação dessa lei) seria que qualquer governo teria uma ferramenta mais eficaz para perseguir a oposição, o Judiciário e o jornalismo”, afirmou o constitucionalista Gregório Hernández Maqueda.

Dias após o ataque, a presidente do Instituto Nacional contra a Discriminação, Xenofobia e Racismo (Inadi), Victoria Donda, pediu em sua coluna semanal no site Infobae a criação de “uma ferramenta legal” para punir o discurso de ódio.

Uma reunião chegou a ser convocada, mas foi cancelada depois da reação da oposição. Pouco depois, a chefia de gabinete de Fernández foi a público dizer que nenhum projeto do tipo estava em discussão.

Mas no dia 22, Fernández voltou ao tema ao cobrar uma maior regulação das redes sociais. “Algum tipo de regulamentação é necessário, para que nas redes sociais deixe de circular o discurso violento e de ódio”, disse o presidente.

A oposição considera a reação exagerada ao ataque uma espécie de “cortina de fumaça” para desviar a grave crise pela qual passa o governo após a condenação da própria vice-presidente a 12 anos de prisão por corrupção.

“Há uma crença de que o governo quer amplificar a dimensão do atentado para ocultar o que realmente acontece na Argentina com os problemas econômicos”, disse o historiador Fabian Enzo Barda, da Universidade Nacional de La Plata.

Para ele, o governo deveria focar menos em tentar transformar o atentado em ameaça à democracia, e mais em como melhorar a situação do país. “É a partir daí que se vai medir o desempenho de Fernández.” Nas ruas de várias cidades do país, o tom é de indignação contra a violência política. Monica Lucrecia López, de 53 anos, viu o ataque a Cristina com surpresa. “Foi algo que nós, argentinos, não assimilamos quando vimos. Foi muito impactante.”

Apesar disso, muitos argentinos veem a reação ao ataque com ceticismo. “O que aconteceu depois é que foi terrível. Quiseram usar o atentado como manobra para várias coisas: melhorar a popularidade de Cristina, vendê-la como vítima da ‘conspiração’ da direita e do imperialismo; para desviar o foco das acusações de corrupção em que ela está envolvida”, disse Juan Eduardo Villarraza, de 47 anos, professor de filosofia de um colégio privado na Província de Entre Ríos.

Onda de violência

Apesar das consequências políticas, analistas temem que uma nova onda de violência possa voltar a assombrar a Argentina, que passou por manifestações conturbadas em 2001, com mais de 20 mortos. “Não é justo comparar uma força política que usa discursos de ódio como plataforma eleitoral com uma que segue um caminho democrático”, afirma Nahuel Soso, sociólogo e professor da Universidade de Buenos Aires (UBA).

Ele argumenta que algo deve ser feito para frear atitudes semelhantes. “Até o momento, nenhuma das instâncias legais ou executivas levou adiante nenhum projeto semelhante a uma lei contra o ódio, mas isso não quer dizer que não estejamos em um momento de discutir o que fazer frente aos discursos de ódio.”

A investigação tem avançado pouco. Os trabalhos estão focados em três áreas: a resposta lenta da segurança de Cristina, as mensagens apagadas do celular de Montiel e o círculo próximo do brasileiro, para saber se ele atuava sozinho.

Por Redação

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