Amazonino fala em legalizar garimpo em Humaitá
O governador do Amazonas, Amazonino Mendes (PDT), deve regularizar as cooperativas de garimpo que exploravam ouro de forma ilegal no rio Madeira, nos municípios de Humaitá, Manicoré, Borba e Novo Aripuanã, no sul do estado, na divisa com Rondônia. Ao menos 42 garimpeiros ligados a essas cooperativas foram multados em R$ 2.351.500,00 pela operação Ouro Fino do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por crimes ambientais dentro da Floresta Nacional de Humaitá, uma unidade de conservação de uso sustentável.
Foi na Flona Humaitá que a operação Ouro, que contou com o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Marinha do Brasil, apreendeu, no dia 24 de outubro, 48 balsas de um total de 200 avistadas pela fiscalização. Das balsas apreendidas, 34 foram destruídas com fogo pelos fiscais; outras sete afundaram “sem a intervenção da fiscalização” e sete foram apreendidas, diz o órgão federal.
Como retaliação à operação, no último dia 27 de outubro, os garimpeiros, apoiados por madeireiros e políticos das cidades de Humaitá, Apuí e do Distrito de Santo Antônio do Matupi (em Manicoré), incendiaram os prédios do Ibama, do ICMBio e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Eles destruíram veículos e uma embarcação do ICMBio, e tentaram atacar a Agência Fluvial de Humaitá da Marinha do Brasil.
Ameaçados pelos garimpeiros, 21 servidores públicos e familiares dos militares foram retirados escoltados de Humaitá pela Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal e levados em segurança para um refúgio em Porto Velho (RO).
Segundo o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), órgão dirigido pelo secretário de Meio Ambiente Marcelo Dutra, o governo quer regularizar as cooperativas de mineração no rio Madeira, mas exige a solicitação de licenças ambientais para extração em uma região fora da Flona de Humaitá. Também reconhece a atividade artesanal e familiar de extração de ouro do Amazonas e na busca pela eliminação do uso de mercúrio.
“Estão sendo realizadas reuniões com os representantes legais das cooperativas para discutir soluções que resultem na regularização da atividade de mineração no rio Madeira”, disse o Ipaam, confirmando que garimpagem será legalizada.
Os danos ambientais encontrados pelo Ibama na Flona de Humaitá foram a poluição das águas por mercúrio e outros resíduos (combustíveis e óleos e rejeitos), além de assoreamento do leito do rio Madeira. A poluição, segundo o instituto, provocou impactos irreversíveis à fauna e à flora aquáticas da região, além de consequências à saúde humana e ao bem-estar dos habitantes e visitantes do manancial, um afluente do rio Amazonas.
A operação do Ibama, conforme apurou a reportagem, desestabilizou um negócio que movimentava cerca de R$ 672 milhões por ano. Cada balsa destruída custava, em média, R$ 50 mil, o que significa que o investimento na mineração no Madeira é alto e envolve mineradores, comerciantes e políticos do Amazonas, Rondônia e até da Bolívia.
Uma investigação foi aberta pela superintendência da PF em Rondônia para apurar crimes de ameaça e depredação ao patrimônio público, formação de organização criminosa, além de tentar identificar os financiadores do garimpo no Madeira. São suspeitos de envolvimento no caso o prefeito de Humaitá, Herivâneo Seixas (Pros) e vereadores. O prefeito nega participação nos incêndios dos prédios, mas admitiu que apoiou o que chama de “manifestação dos garimpeiros”.
O apoio de Amazonino
Governador do Amazonas por três vezes, Amazonino Mendes assumiu o quarto mandato em 04 de outubro último após vencer a eleição suplementar para um mandato-tampão até dezembro de 2018. Na campanha eleitoral, ele prometeu flexibilizar as licenças ambientais para empreendimentos do agronegócio no entorno e dentro de Unidades de Conservação (UC´s) estaduais.
Com apoio de Amazonino, a regularização das cooperativas do rio Madeira tramita na Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), através do Ipaam. O chefe de ambas as instituições, o secretário Marcelo Dutra, esteve na quarta-feira (15) na 23º Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP23) em Bonn, na Alemanha. Ele anunciou um programa de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE) e de combate ao aumento da temperatura global por parte do Amazonas.
Procurado pela agência Amazônia Real por telefone, Dutra não atendeu à reportagem para falar sobre o licenciamento da atividade de mineração das seguintes cooperativas: Cooperativa de Garimpeiros da Amazônia (Coogam), Cooperativa dos Extrativistas Minerais Familiares de Manicoré (Cooemfam) e Cooperativa dos Extrativistas Minerais Familiares de Humaitá (Cooemfah).
O Ipaam disse, por meio da assessoria de imprensa, que as solicitações das licenças ambientais das cooperativas estão sendo analisadas. Um termo de ajustamento de conduta está em estudo desde o dia 31 de outubro. “Cada processo está sendo analisado individualmente, a fim de identificar o passivo existente, o que deixou de ser atendido e estabelecer prazos para que legislação seja cumprida. Não há prazo estabelecido para a liberação do licenciamento às cooperativas”.
O garimpo na região foi regulamentado pela resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Cemaam) noº 14, de 18/10/2012, durante o governo de Omar Aziz (PSD), que atualmente é senador. O documento diz que é “proibida a atividade de lavra garimpeira de ouro com o uso do mercúrio em sistemas aquáticos com pH menor do que 5”.”
Antes da operação Ouro Fino do Ibama, no entanto, o Ipaam denunciou ao órgão o garimpo ilegal e uso de mercúrio na extração de ouro no rio Madeira. As cooperativas tiveram as licenças ambientais suspensas este ano, durante o governo interino de David Almeida (PSD), deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas.
Conforme informações do instituto, quatro licenças eram da Coogam (concedidas entre 2012 a 2015), três da Cooemfam (de 2014 a 2016) e uma para Cooemfah (de 2011 a 2012). Nesse período da concessão das licenças às cooperativas, além de Aziz, que permaneceu no cargo de 2010 a 2014, foi governador também José Melo (Pros), de 2014 a 2017. Ele foi cassado em maio passado por compra de votos na eleição junto com o vice-governador Henrique Oliveira (PSD). Com o afastamento de Melo, David Almeida assumiu o cargo entre maio e outubro deste ano, quando Amazonino Mendes assumiu o governo após ganhar as eleições suplementares. Na campanha, ele foi apoiado por Aziz e Melo, além do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB).
Reincidência de danos
À Amazônia Real, o Ipaam disse que licenças da Coogam, Cooemfam e Cooemfah foram suspensas em função do não cumprimento de condicionantes como: “coleta, destinação e tratamento de resíduos provenientes do processo de mineração, estudo e monitoramento da qualidade da água, plano de monitoramento e prevenção de contaminação da água por mercúrio, avaliação de impactos socioambientais, regularização de balsas junto a Marinha, plano de controle ambiental, licença da prefeitura, entre outras informações que garantam segurança aos recursos naturais e que a atividade seja feita de acordo com a legislação ambiental.”
O Ipaam disse ainda que “após vistorias os fiscais estaduais constataram que os requisitos legais e ambientais previstos nas resoluções para lavra garimpeira de ouro do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Cemaam) não foram atendidos” pelas três cooperativas.
“Os requisitos são estabelecidos pela Resolução Cemaam n° 14 de 18 de outubro de 2012. Ela altera a resolução 011/2011 e estabelece procedimentos a serem observados no licenciamento ambiental para a atividade da lavra garimpeira de ouro no Amazonas. O processo deve seguir rigorosamente os critérios da legislação e passar pela análise do Ipaam”, diz o órgão ambiental estadual.
Segundo o Ipaam, outro motivo para a não renovação das licenças das três cooperativas teve como embasamento a falta de estudos e apresentação de análises da qualidade da água e do sedimento do rio que comprovassem que os recursos naturais não estavam sendo ou não corriam risco de contaminação por mercúrio.
“A licença ambiental é concedida pelo Ipaam somente depois que o interessado pela exploração minerária passa, primeiro, pelos trâmites estabelecidos pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que homologa a Permissão de Lavra Garimpeira (PLG)”, diz o órgão.
Área ambiental indecisa
Na área ambiental do Amazonas a notícia da regularização dos garimpos no rio Madeira causou reação negativa e positiva. Conselheiros do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cemaam), ouvidos pela reportagem, mas que não quiseram ser identificados, dizem que a percepção é de que haverá um “liberou geral” na concessão das licenças para o garimpo.
O Cemaam é formado pelos mais diversos segmentos da sociedade – como ONGs, associações, sindicatos, cooperativas e outros. Há entre os conselheiros os que defendem uma abertura mais ampla para a atividade de mineração, vista como principal fonte de renda para as famílias ribeirinhas.
Apoio da base política
A decisão do governador Amazonino Mendes de regularizar as cooperativas de garimpeiros no rio Madeira é apoiada por deputados da base governista. No dia 30 de outubro, logo após os ataques em Humaitá, garimpeiros, vereadores e o prefeito Herivâneo Seixas foram recebidos em uma reunião na sede do Ibama no Amazonas, em Manaus, a convite dos deputados Cabo Maciel (PR) e Abdala Fraxe (Podemos). Após a reunião, Maciel divulgou em sua página no Facebook que o superintendente do Ibama, José Leland Barroso, que estava na reunião, aceitou suspender a operação Ouro Fino na região do rio Madeira até a regularização das cooperativas pelo Ipaam.
“O superintendente [do Ibama] José Leland Barroso, que mostrava-se irredutível por considerar um ato planejado pelos garimpeiros, voltou atrás e decidiu suspender a Operação de Ouro fino no Rio Madeira até que os Extrativistas se regularizem junto aos órgãos ambientais”, disse o deputado Maciel.
Em entrevista à Amazônia Real, o superintendente do Ibama, José Leland Barroso, negou que voltou atrás na permanência da operação Ouro Fino e classificou como “absurda” a declaração do deputado Cabo Maciel sobre a suspensão da fiscalização no rio Madeira.
“Eu disse na reunião que o tempo que eles têm para se licenciar é o tempo que a gente terá para se reorganizar. Os garimpeiros destruíram tudo. Se não tiver licenciado, quando a gente retornar, será retirado. O garimpo irregular não vai continuar.”
Segundo ele, o Ibama vai voltar a atuar em Humaitá, mas com um posto avançado dentro da unidade do Exército e com quadro de pessoal rotativo.
Sobre os ataques dos garimpeiros aos prédios públicos, Barroso disse que foram premeditados. “Foi um ato terrorista, tinha profissionais treinados, coquetel molotov. Isso já estavam organizando havia muito tempo. Houve, inclusive, uma reunião com os madeireiros no Matupi e Apuí”, disse o superintendente do Ibama.
Em relação à regularização das cooperativas de garimpeiros pelo governo de Amazonino Mendes, Barroso disse que o rio Madeira está bastante impactado por mercúrio. Ele estimou em mais de 400 balsas de garimpo explorando ao longo do manancial, no estado do Amazonas. Em Rondônia seriam mais de 60.
“Além do garimpo, o Madeira já tem duas hidrelétricas [Santo Antônio e Jirau]. É um rio todo arrebentado, que não aguenta mais insulto e desaforo. Isso termina inviabilizando a própria navegação”, disse José Leland Barroso.
Diferente do Amazonas, em Rondônia a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) proibiu a mineração no rio Madeira e intensificou a fiscalização. Segundo o site G1, a Sedam também suspendeu as análises de processos de licenciamento ambiental que estavam em andamento na região. “Antes a proibição era de cinco quilômetros depois da ponte, agora a área de proibição chega à fronteira do Amazonas”, explica a secretária Vilson Sales.
Em nota enviada à reportagem, a Marinha do Brasil afirmou “vem acompanhando, com atenção, a evolução sistemática da garimpagem em toda a extensão do Rio Madeira e que tem realizado Operações de Patrulha, Patrulhamento e Inspeções Navais (IN) em toda a extensão do referido rio, com significativas constatações de irregularidades, para as quais foram tomadas providências administrativas proporcionais às infrações constatadas em cada situação, variando de simples notificações, passando por apreensões e, nos casos mais graves, apresamentos dos conjuntos balsas e dragas.”
WCS faz alerta do uso de mercúrio
A organização ambientalista WCS Brasil (Associação Conservação da Vida Silvestre) enviou uma carta nesta sexta-feira (17) ao governador do Amazonas, Amazonino Mendes, solicitando o cumprimento da legislação ambiental em vigor. No documento, a organização manifesta o apoio aos esforços do Ibama, ICMBio, Ipaam, Polícia Federal, Funai e do Batalhão de Polícia Ambiental do Amazonas em conter as ações de garimpo ilícitas. Diz que a atividade vem ameaçando a integridade ambiental em diversas áreas no sul do Amazonas, assim como afetando negativamente a saúde da população de diversos municípios. “Solicitamos toda a atenção do atual governo em fazer-se cumprir a legislação vigente, mantendo as ações de fiscalização e controle desta atividade que é altamente impactante sobre a Natureza e as Pessoas que nela vivem e dela dependem”, diz o WCS.
A organização alertou o governador do uso de mercúrio nos garimpos do rio Madeira. “Ao se discutir a atividade de garimpo de ouro no Estado, que se leve em consideração o princípio da precaução, ainda mais quando se trata do uso indiscriminado do mercúrio, assim como de equipamentos altamente agressivos, como dragas, que afetam de forma bastante negativa os leitos dos rios e sua dinâmica hidrológica.”
E concluiu: “importante ainda ressaltar que no Amazonas existe um excelente corpo técnico e científico de renomadas instituições que devem ser consultados pelo Cemaam no processo de analise e construção de qualquer decisão seja tomada em relação a esta atividade”, disse a WCS Brasil. (Colaboraram Kátia Brasil e Fábio Pontes)
FONTE:amazoniareal
Barrancas Seu Portal de Notícias / Dar voz Aquele Que Não Tem Voz 17 /11/2017