Na Espanha, Portugal e Itália, estrangeiros votam em quem quer expulsá-los

Há 11 dias, o burburinho do almoço começou mais cedo no bar Una Grande Libre, em Madri. As mesas tinham sido reservadas vários dias antes, e havia um clima de excitação entre os comensais. Era a festa nacional da Espanha, o 12 de outubro, quando muitos — sobretudo os conservadores — comemoram a chegada de Colombo à América, marco zero de um já extinto império ibérico global. Entre a quase totalidade de espanhóis celebrando, destacava-se a família do dono do local, o imigrante chinês Chen Xianwei.

Figura folclórica na cidade, onde é conhecido como o “Chino facha” (chinês reaça, ou fascista), Chen montou seu bar para exaltar a ditadura de Francisco Franco (1939-1975), com símbolos da extrema direita espalhados por todos os lados. Com 44 anos, 23 deles afincado na Espanha, ele deu o nome de Franco ao seu filho mais velho e é um orgulhoso votante do partido ultradireitista Vox — cujo líder, Santiago Abascal, refere-se ao agente causador da covid como “o vírus chinês”.

Chen é um caso célebre de um fenômeno que se repete em países europeus onde a direita anti-imigração avança a cada eleição. Na Espanha, em Portugal ou na Itália, estrangeiros aderem às ideias de legendas marcadas por um discurso xenófobo, claramente contrário a eles. E as razões, disseram especialistas, não poderiam ser mais variadas.

Uma das principais, para o cientista político espanhol Pablo Simón, tem a ver com a realidade dos países desses imigrantes:

“Se a nação que tiveram que abandonar é governada pela direita, os estrangeiros afincados tendem a votar majoritariamente à esquerda. Se quem governa lá é a esquerda, ocorre o contrário”.

Uma compilação de resultados do Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS), publicada no ano passado pelos sociólogos Laura Morales e Carles Pamies, mostrou que 51% dos cidadãos oriundos da Venezuela, 38% de Cuba e 31% da Bolívia escolhem a direita na Espanha. Destes, estima-se que entre 5% e 10% optariam pelo partido ultradireitista e anti-imigração Vox. Somados, venezuelanos, cubanos e bolivianos formam uma comunidade de mais de 540 mil pessoas, metade com direito a voto.

Em Portugal, a situação é mais peculiar. O boom de brasileiros que chegam ao país ocorre durante o governo de Jair Bolsonaro, de extrema direita. Mesmo assim, numa entrevista recente à CNN Portugal, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa disse ter a informação de que dois de cada três votos do partido ultradireitista Chega! foram dados por pessoas nascidas no Brasil.

Se os números dele estiverem certos, mais de 200 mil brasileiros aderiam às teses anti-imigração e xenófobas de André Ventura, líder do Chega!. Eles representariam quase a metade dos 500 mil cidadãos da maior ex-colônia lusa que vivem em Portugal, nas contas do sociólogo e pesquisador da Universidade de Coimbra Pedro Góis, que soma os 252 mil brasileiros “oficiais” a outro tanto registrado como europeu por ter dupla cidadania.

Pauta moral

Para o cientista político Gabriel Bernardo da Silva, mestrando em política internacional pela Universidade da Carolina do Norte, membros de minorias perseguidas pela ultradireita — caso de estrangeiros e do coletivo LGBTQIAP+ — frequentemente passam por cima do paradoxo do seu apoio em nome da identificação ideológica com certas teses desses partidos.

“A ultradireita sequestrou a pauta moral e de costumes no mundo todo. E muitos imigrantes que chegam à Europa vêm de países nos quais a sociedade é organizada ao redor da religião. Ou são simplesmente conservadores que se identificam com a moralidade desse discurso”.

Já a psicanalista Maria Homem, professora convidada de Harvard e titular na FAAP-SP, lembrou que a ideia de pertencimento — a um grupo, a uma ideia — é suficientemente poderosa para levar a vítima de um determinado discurso discriminatório a não se sentir aludida por ele.

“Pensemos nos judeus na Segunda Guerra. Eles demoraram a reagir ao nazismo porque, por um tempo, não entendiam como era possível que seus vizinhos já não os considerassem como iguais. Estavam assimilados, eram alemães, poloneses, franceses. E, de repente, foram lembrados de que não: ‘você não é francês, não é alemão. Você é judeu, você virou ‘o outro’ e já não pertence”.

Por Redação

Mostrar Mais
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *